quarta-feira, dezembro 28, 2005

Álvaro Cunhal e Egas Moniz (1)



Referências a Egas Moniz na obra de José Pacheco Pereira

Cruzamento de referências na Biografia de Álvaro Cunhal que José Pacheco Pereira (blogue sobre a Biografia, aqui, e Abrupto, ali) tem vindo a publicar, tendo dado à estampa, recentemente, o 3º volume «Álvaro Cunhal. Uma biografia política – O prisioneiro (1949-1960)», Vol. III, Lisboa, Temas e Debates, 2005.

Por volta dos anos vinte do século passado, Egas Moniz deixa a política activa. Tendo em conta o modo como se passa a referir a esse período que foi de 1901 até cerca de 1920, poder-se-ia dizer que «abandonou» a política activa, desapontado com o desfecho do ciclo sidonista e a impossibilidade do reagrupamento de dissidentes evolucionistas, unionistas e ex-sidonistas, num novo partido orientado contra os excessos jacobinistas da «República Velha».

O 28 de Maio de 1926 encontra-o a trabalhar activamente, na Universidade e no laboratório, preparando, em segredo, a invenção da Angiografia Cerebral. Seguir-se-lhe-á, em 1935 a descoberta da leucotomia pré-frontal e a elevação da sua notoriedade internacional que culminará, em 1949, com a atribuição do Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia.

Durante esse período, Moniz está, quase por completo, dedicado ao ensino e à investigação científica.

Porém, a partir da sua jubilação e, mais acentuadamente, após ter recebido o Prémio Nobel, Egas Moniz adoptará uma militância de carácter cívico, em prol da causa da Paz e da Liberdade, demarcando-se sempre das correntes que considerava radicais.

A primeira entrada de Egas Moniz no território biográfico que Pacheco Pereira delimitou, encontra-se no 2º volume da biografia: JPP, (2001), Álvaro Cunhal. Uma biografia política - «Duarte», o dirigente clandestino (1941-1949), Vol. II, Lisboa, Temas e Debates.

Reza assim, a páginas 808:

Assim, em Março de 1947, a CC do MUDJ, numa circular confidencial, lançava uma campanha para recolha de 20.000 assinaturas destinadas a patrocinar uma homenagem a Norton. De forma críptica, dizia-se «tratar-se de uma iniciativa de maior alcance político, da qual podemos tirar várias conclusões, altamente agradáveis para nós» {nota 39: a comissão central do MUDJ, circular extraordinária às comissões (confidencial), 11 de Março de 1947.} no entanto, o nome do General não suscitou consenso desde o início e, na oposição não comunista, Sérgio, parte do PRP e Cunha Leal opuseram-se. As razões não eram coincidentes e espelhavam divergências que já vinham de trás, mas somente Cunha Leal se manteve tenaz na sua atitude de recusa.

António Sérgio pretendia a candidatura de um militar moderado no activo, ligado ao regime, Costa Ferreira, ou o Prémio Nobel da Medicina Egas Moniz, considerando as mais abrangentes e mais capazes de mobilizarem áreas fora da tradicional oposição {nota 40: Secretariado do PCP, Alguns aspectos da actividade do sr. A. S. Contrárias à Organização do Conselho Nacional, Agosto, 1948}.

Esta passagem é interessante a vários títulos. Salienta as clivagens existentes nas oposições ao regime fascista, mostrando quão complicadas já eram, por esses tempos, as coisas nestas paragens; chama a atenção para a demarcação comunistas/não comunistas; e comete um pequeno deslize de carácter anacrónico: trata Egas Moniz como Prémio Nobel, coisa que só virá a verificar-se mais tarde, em 1949. É inteiramente compreensível o deslize. Poder-se-ia até, se necessário, em favor de Pacheco Pereira, sustentar que, escrevendo nós sempre no presente, não é de espantar que colemos aos actores históricos as qualidades que já sabemos que eles virão a adquirir num futuro não muito longínquo. É claro. No entanto, aqui fica a reflexão.


quinta-feira, dezembro 15, 2005

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (4)



PÚBLICO de hoje (2005-12-15, pág.5)

O PÚBLICO de hoje inseriu na rubrica «Cartas ao Director» um texto assinado por Luis Coelho, de Lisboa, em que o signatário expressa surpresa pelo facto de o Cinquentenário da Morte de Egas Moniz não estar a merecer o destaque que seria adequado ao primeiro Nobel português. Diz ele que

«É no mínimo de espantar que, àparte algumas notícias em jornais de qualidade inequívoca, os 50 anos da morte de Egas Moniz não tenham suscitado um tratamento mais acalorado por parte dos órgãos de comunicação social. Esperaríamos, pelo menos, uma pequena exposição ou ensaio biográfico. Mas pouco ou nada se fez! Não entendo a razão de tamanha escassez de orgulho num homem que revolucionou o mundo das neurociências. Não consigo perceber o porquê de tal acontecimento.»

A perplexidade de Luis Coelho é compreensível. Numa época em que a ciência se constituiu como o mais aperfeiçoado patamar da nossa racionalidade, impondo-se como perspectiva doutrinária e critério dominante do acerto das políticas públicas, a «escassez de orgulho» num cientista português agraciado, em 1949, com o maior galardão da «Medicina ou Fisiologia» é estranha.


Por estar de acordo com o autor da carta, e independentemente de o seguir em todas as afirmações parcelares que nela faz, adiantarei, proximamente, uma série de reflexões acerca do relativo blackout que tem vitimado a memória de Egas Moniz.

Cinquentenário da Morte de Egas Moniz e Centenário do Nascimento de Ruy Luis Gomes


Foto de Egas Moniz, com Ruy Luis Gomes à sua direita

Foto publicada no blogue Ruy Luis Gomes, destinado à celebração do centenário do seu nascimento - 5 de Dezembro de 1905 - 5 de Dezembro de 2005.

Lá se pede que «Relativamente a esta fotografia, como relativamente a outras, solicita-se informações sobre a data, as circunstâncias e as identidades das pessoas representadas.»

O blogue «Egas Moniz» associa-se ao centenário de Ruy Luis Gomes e ao pedido de cooperação. O interesse é comum e recíproco.

Parabéns aos autores do blogue «Ruy Luis Gomes» pela iniciativa e pelo excelente trabalho que têm desenvolvido.



No cinquentenário da morte de Egas Moniz (3)


No cinquentenário do Prémio Nobel

Egas Moniz dedicou mais de duas décadas da sua existência à política activa. Deputado (monárquico, dissidente monárquico, constituinte republicano e, depois, sidonista); fundador do Partido Centrista Republicano, dirigente do Partido Nacional Republicano, tendo tentado, ainda pelo menos mais uma vez, a criação de um novo partido político, após ter sido demitido do Governo de José Relvas; Diplomata: Ministro Plenipotenciário de Portugal em Madrid; Ministro dos Negócios Estrangeiros; Presidente da Delegação Portuguesa à Conferência de Paz de Versailles.

Bem vêem, sem uma referência devidamente desenvolvida a esta dimensão com que ocupou mais de 20 anos - ¼ da sua existência ou um terço da sua vida adulta - torna-se difícil fazer-lhe a justiça de o tomar na sua inteireza e compreender melhor as competências que transferiu, depois, para o saber estratégico com que assegurou alguns dos maiores sucessos que obteve.



quarta-feira, dezembro 14, 2005

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (2)



Egas Moniz e a Psicanálise (em livro)

Em aditamento ao poste anterior, e a propósito dos modos de recordar Egas Moniz, - o homem, a obra e os contextos respectivos, - anote-se a consideração que os nossos primeiros psicanalistas têm por Egas Moniz, reservando-lhe o lugar histórico da primazia na introdução da psicanálise em Portugal. Com «As bases da psicanálise» - texto publicado em 1915 em A Medicina Contemporânea nº 33, páginas 377 – 383, depois incluído em «A vida sexual», a partir da edição de 1922 - Egas Moniz dá à estampa, em Portugal, a primeira abordagem sistemática sobre os conceitos fundamentais do método analítico elaborado por Sigmund Freud..

Pedro Luzes, um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Psicanálise, escreve, a este respeito:

Em Portugal, o primeiro trabalho científico sobre psicanálise é de Egas Moniz que, em 1915, dá à lição inaugural do Curso de Neurologia o título de As Bases da Psicanálise. Esta lição era seguida por mais três, sobre o mesmo tema que não apareceram a público.

[Pedro Luzes, Cem anos de psicanálise, Lisboa, ISPA, 2002, pág. 10]


No cinquentenário da morte de Egas Moniz (1)



PÚBLICO de 13/12/2005 (pág. 28)

Marcando o cinquentenário da morte de Egas Moniz (1874-1955), Clara Barata assinou, no PÚBLICO de 13/12/2005 (link reservado a assinantes) três peças (páginas 28 e 29), cujos títulos apontam para os aspectos tratados em cada uma delas.

A herança do único cientista português galardoado com o Nobel ainda é polémica

O prémio podia ter chegado logo na década de 20, pela angiografia

Walter Freeman foi o grande apóstolo da lobotomia nos Estados Unidos

Clara Barata dá-nos um excelente trabalho jornalístico, cruzando depoimentos, de acordo com um critério abarcando uma pluralidade de perspectivas e, ao mesmo tempo, informativo e equilibrado.

Pena que, tantos anos depois, não se tenha sequer aludido, a par das realizações do cientista, outros aspectos da sua intervenção multifacetada: o da carreira política activa (1901 – 1922), e o de introdutor da Psicanálise em Portugal (1915 – 1925). Um e outro, são da máxima importância para tentar compreender o homem, a época e os sentidos que foi revestindo.




quinta-feira, dezembro 01, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (6)


Egas Moniz raramente foi a público discutir acerca dos seus trabalhos científicos. Apesar das numerosas críticas que lhe foram dirigidas, quer relativamente aos efeitos colaterais das soluções opacificantes que usou na Angiografia Cerebral, quer quanto às apreciações negativas que impendiam sobre a leucotomia préfrontal, Egas Moniz optou, quase sempre, pelo silêncio.

O texto cuja capa ficou afixada acima, corresponde a um desses raros momentos em que Moniz se ocupou publicamente das avaliações negativas do seu método.

Começa assim:

«Quando pensei em alterar o circuito de influxos no encadeamento das células nervosas cerebrais, no propósito de modificar a vida psíquica dos alienados, meditei cerca de três anos sobre a ousada tentativa. Apenas Almeida Lima, colaborador constante dos nossos trabalhos de investigação, soube dos meus ainda mal esboçados propósitos e da base anatómica em que os firmava.» (*)

Moniz tem então 80 anos de idade e este trecho do exórdio tem uma importância fundamental. Corresponde a uma contestação indirecta das versões em que era acusado de ter agido precipitadamente, no final de 1935, no regresso de Londres, onde participara no 2º Congresso Internacional de Neurologia. Teria assistido aí à apresentação de resultados da ablação bilateral do córtex préfrontal de duas chimpanzés (Becky e Lucy). Charles Jacobsen - que trabalhara em colaboração com John Fulton - fizera a demonstração que, após a lobectomia, a reacção furiosa que se verificava anteriormente, sempre que as chimpanzés procuravam comida e não a encontravam, desaparecia e dava lugar a um comportamento calmo, destituído de picos emocionais. Moniz nunca confirmou a versão segundo a qual teria, então, formulado a questão de saber

se a remoção dos lobos frontais evita o desenvolvimento de uma neurose experimental em animais e elimina a frustração comportamental, porque não seria, então, possível, aliviar os estados de ansiedade nos humanos por meios cirúrgicos?


Ora, a datação que Egas Moniz revela nesta comunicação, remete para 1931 (cerca de 4 anos antes) o início dos seus estudos e reflexões conducentes à prática da leucotomia pré-frontal, revelando que, com Almeida Lima, já então tratava secretamente dos preparativos.



(*)
Egas Moniz, A leucotomia está em causa, Academia das Ciências de Lisboa, Biblioteca de Altos Estudos, 1954. Cortesia de Armando Myre Dores e Lina Seabra Dinis, a cuja biblioteca privada pertence o exemplar supra.