sexta-feira, agosto 24, 2007

Outras Perspectivas (6)

Quando Moniz, em 1906, se torna accionista fundador da companhia de seguros A Nacional, já era neurologista, professor universitário, autor de, entre outros, dois opúsculos acerca de "A Vida Sexual", reunidos mais tarde num só volume, que se converteu num best-seller, tendo contribuído decisivamente para a sua aura de especialista em disfunções sexuais de recorte psiquiátrico. Dados à estampa, pouco após conclusão do manuscrito, em Coimbra, (1901), acabavam de ser republicados, em 2ª edição, agora em Lisboa.
O jovem médico, então com 32 anos, fizera publicar, igualmente nesse ano de 1906, o artigo «As doenças populares. O perigo alcoólico» no Boletim da Assistência Nacional aos Tuberculosos, [Ano I, 1906, Fasc. 2, p.29-32, Lisboa, 1906], revelando, à vez, as preocupações de carácter médico-social que então lhe pesavam, e o carácter maciço das morbilidades derivadas do consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
Moniz preocupa-se com os aspectos sociais e políticos da prestação de cuidados de saúde. Dedica alguma atenção às consequências do excessivo consumo de bebidas alcoólicas, mas, apesar da intenção manifesta, não tornará ao assunto.
A designação de “doenças populares” e a adopção de um ponto de vista moderado em face de algumas correntes radicais que advogavam, pura e simplesmente, a eliminação do consumo de bebidas alcoólicas, indicam, por um lado, a distância social a que as elites se colocavam dos “populares”, diferenciando os consumos de bebidas alcoólicas com base nos estilos de vida. O “perigo alcoólico” é mitigado relativamente a outros grupos sociais e claramente identificado para aqueles cujos comportamentos, estados de saúde e sequelas, constituíam, de facto, um “problema” de saúde pública. Moniz coteja o caso português com o francês, denunciando a tese segundo a qual, nos países de grande produção vinícola, o consumo de vinho não tendia a ser problemático. Aponta as disfunções e complicações associadas ao alcoolismo, não poupando o leitor a alguns pormenores mais severos e horrorosos, e assume a posição de conselheiro, moralizando o uso e chamando a atenção para as implicações comportamentais e o modo como afectam a qualidade de vida dos consumidores excessivos.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Outras Perspectivas (5)









O 3º patamar é o do segredo
. Aí foram deixados, em silêncio, os capítulos da sua vida de que não se orgulhava particularmente; a memória de actos atrabiliários, excessivamente ditados pelas circunstâncias; ou, pura e simplesmente, os aspectos que não concorriam para acentuar os traços biográficos com que queria que a memória da sua figura fosse recordada na posteridade.
Homem empreendedor, com múltiplos interesses, hobbies, gostos, não foi certamente por considerar indigna a sua tripla condição de accionista fundador, médico-chefe do ramo Vida e, mais tarde, membro do conselho de administração da companhia de seguros A Nacional, que a omitiu dos seus escritos.
Ficou, assim, afastada ou esbatida esse conjunto de actividades que convoca activamente os saberes (técnicos e científicos) e poderes (políticos, financeiros, institucionais). Afastadas do registo autobiográfico, apesar do peso quotidiano dessas ocupações e da responsabilidade que implicavam. porque lhe pareceu que combinariam mal com a efígie do sábio, concentrado nos estudos e desprezando as contrapartidas materiais, com uma quota-parte de ascetismo.

É neste patamar que deixará, igualmente, quaisquer considerações sobre a sua pertença à Maçonaria, na qual fora iniciado, círculo ritual em que boa parte da elite republicana selava a entrega à luz espiritual do saber positivo, reforçando a dedicação à República pela via do templo que lhe subjaz.
Aqui ficaram também quaisquer evocações de duelos em que foi parte, testemunha, representante ou conselheiro, revivência senhorial e cavalheiresca que arrastou o arcaísmo do uso da violência em privado para acertos de honra e desagravos, entre nobres, iguais, que, ou se retratavam e apresentavam desculpas, ou faltavam ao encontro no campo da honra, outorgando, aos que compareciam, o direito de poderem envergonhá-los em público, confrontando-os com a sua cobardia.
Actividade exigente que implicava a escolha de testemunhas, emissários, tentativas de conciliação, findas as quais, se sem êxito, se seguia a escolha das armas, o lugar, e o desfecho ao "primeiro sangue" ou "até à morte".
A ética cavalheiresca impedia-o, porventura, de divulgar publicamente a sua presença actuante nos meios de práticas duelísticas, tal como o bom senso e eventualmente, algum arrependimento, o impediam de confirmar a sua pertença à maçonaria. Bem entendido. Por isso mesmo, pela ressonância dos aspectos identitários não assumidos, a sua relação com as memórias e as qualidades excluídas do figurino heróico que compôs, ganham, por contraste, toda a pertinência para nos ajudarem a compreender um homem, na sua época, enfeitando a sua coroa de louros com uma parte da sua vida enquanto omitia a outra. O homem é um só. A representação que dele próprio faz, divide-se.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Outras Perspectivas (4)

O 2º patamar consubstancia-se na Casa Museu de Avanca, ultimamente sob a alçada municipal (Câmara Municipal de Estarreja) que a tomou da Fundação criada por desejo testamentado do próprio. A "Casa do Marinheiro", curiosamente correlacionada com o tema de Ex-Libris, onde habitou com a família, e que mandou reconstruir, mais tarde, fazendo dela o seu retiro íntimo, de fins-de-semana e férias, antes ou depois do período termal a que se submetia anualmente para minorar as sequelas da gota que o atormentava desde os 24 anos. Moniz quis que a Casa do Marinheiro, com os seus espaços ajardinados e floreiras, com as colecções de pintura e outros objectos de arte, fundo documental, mobiliário e adereços permanecessem, após o seu desaparecimento, evocando a sua figura e o seu exemplo, repetindo, aos visitantes vindouros, o que tinha feito, a glória de que se cobrira e continuaria assim a ressoar, em seu louvor, seculorum et seculorum.

domingo, agosto 12, 2007

Outras Perspectivas (3)

















Cinquenta anos após a atribuição do Prémio Nobel, Egas Moniz foi celebrado em emissão filatélica. Na imagem, a variante de 80$00 (oitenta escudos) ou 0,40 € (quarenta cêntimos de um euro). Sobre a direita, uma fotografia do homenageado, em traje académico; à esquerda, em fundo, a reprodução de uma angiografia. O valor icónico desta representação sublinha a sua actividade de médico, professor universitário e cientista, com um enfoque directo numa das suas mais importantes realizações -- a Angiografia Cerebral -- datada de 1927. É interessante reparar no modo como a representação foto-pictórica selecciona os aspectos postos em destaque.

Um agradecimento especial a Maria Machado pela oferta do valioso exemplar.


terça-feira, junho 19, 2007

Outras Perspectivas (2)

O 1º patamar é o dos trabalhos (auto)biográficos. Nele se sistematizam os numerosos escritos em que Egas Moniz se ocupava, ainda que de passagem, da sua pessoa, características, feitos, descobertas e emulações, destacando-se, nesse conjunto, 4 volumes de pendor exclusivamente autobiográfico, elaborados em diferentes fases da vida.

"Um ano de política" (1919), em que pretendeu sumariar o pico final e mais intenso da sua participação institucional na política activa; "A última lição" (1944) breve excurso da saga científica do próprio, a pretexto da cerimónia de jubilação, sublinhando a Angiografia Cerebral" (1927) e a "Leucotomia Pré-frontal" (1935), dedicando muito mais espaço à primeira do que à segunda (como António Fernando Cascais justamente assinalou), concluindo com um iniludível amargor, pois chegado ao final da carreira, não vira o reconhecimento que julgava merecido; "Confidências de um investigador científico"(1949), repositório (ou arquivo, como ele, porventura, aqui e acolá, entende) de múltiplas andanças e perseveranças, que culminam nas realizações de maior projecção internacional, descrevendo atribulações, incidentes, viagens e comunicações, suas e alheias, interligadas cronologicamente com uma assumida focagem autocongratulatória; "A nossa casa" (1950), que agrupa memórias de infância e de juventude, abarcando a família, amigos e próximos, com um apontamento esotérico no final.





segunda-feira, junho 18, 2007

Outras Perspectivas (1)

[Na imagem: Casa Museu Egas Moniz, Avanca, Estarreja]

Indo ao encontro de alguns temas que me têm sido propostos por leitores do blog, passo a afixar uma série de postes relacionados com aspectos menos conhecidos da vida e obras de Egas Moniz. Para lá da sua aura de cientista nobelizado, que sobressai das biografias mais ou menos sumárias que lhe têm sido dedicadas, da faceta política, que tem sido desvalorizada na sequência das suas próprias alusões redutoras, alinham-se as fileiras de duelista, mação, empresário, umas mais desconhecidas do que outras, mantendo, porém, o atributo comum de raramente ou nunca terem sido reveladas ou esclarecidas pelo próprio.

A par do silêncio a que Egas Moniz as votou, significativo de per si, essas dimensões da sua actividade, carreiam elementos relevantes para a reconstituição do contexto histórico, social e cultural, no qual o médico, professor universitário, investigador científico, ensaísta, político e empresário, fizeram, num só trajecto, o efeito que tratamos hoje na forma de representações, tensões entre perspectivas complementares, às vezes, porém, julgadas contraditórias, ou desprezadas, por alguns as considerarem irrelevantes para o culto biográfico que pretendem encorajar.
Em muitos casos, estamos perante uma composição inspirada no próprio Moniz que legou directivas mais ou menos precisas acerca do entendimento mais apropriado que deve vingar quanto à sua vida e à sua obra.

Esse conjunto de instruções desdobra-se por três patamares distintos a que correspondem três suportes também diferenciados.


terça-feira, maio 15, 2007

Egas Moniz na Ilustração Portuguesa

(clique sobre a imagem para aumentar)

Agradeço a gentileza do anónimo que me fez chegar o documento em epígrafe, noticiando a entrada de Egas Moniz para a Escola Médica de Lisboa. Trata-se da página 466 do nº 268 da Ilustração Portuguesa, vinda a público a 10 de Abril de 1911. Moniz substitui Miguel Bombarda 1851-1910), na regência da cadeira de doenças nervosas, deixada livre por morte deste, cerca de um ano antes. Miguel Bombarda era também um destacado líder republicano. Foi assassinado por um paciente dois dias antes da eclosão triunfante da revolução. Seguir-se-á a reforma profunda das Universidades Portuguesas.

terça-feira, março 13, 2007

“Egas Moniz e o Prémio Nobel” na Ordem dos Médicos

[Fac simile do convite]

A sessão de lançamento teve lugar na passada sexta-feira, 9 de Março, na sede da Ordem dos Médicos. Presentes cerca de três dezenas de participantes. Na mesa, além do autor, a Presidente da Delegação Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Dra. Isabel Caixeiro; o Director da Imprensa da Universidade de Coimbra, Doutor José de Faria Costa; e o Professor Alexandre Castro Caldas. Por cortesia deste último, aqui fica o texto da comunicação que proferiu na apresentação do livro “Egas Moniz e o Prémio Nobel”:

Ligam-me a Egas Moniz laços de natureza diversa. Egas Moniz cursou Medicina em Coimbra com o meu avô paterno, que nunca conheci, mas de quem herdei ícones reveladores da boa relação que havia entre condiscípulos. Por outro lado, Egas Moniz foi ainda contemporâneo, nesse período, do meu avô materno que estudou Direito em Coimbra e de quem tive testemunho directo da vida de estudante. Ressalta desses relatos a singularidade da pessoa que já nesse tempo era escolhido pela Academia para ser seu representante e porta voz. Ficaram gravados na memória do meu avô os discursos feitos com rara eloquência e elegância.”[texto na íntegra aqui]

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

"Os Grandes Portugueses" e a Ciência





Egas Moniz ficou em 23º lugar no concurso “Grandes Portugueses” da RTP1. À frente de Dom Diniz; atrás de Eça de Queiroz, convenhamos que foi bastante recordado, entre os primeiros 100 seleccionados.

Assinalado com tal destaque, num concurso deste tipo, o primeiro Nobel “português”, não sai propriamente mal tratado.

Tomando em consideração que os resultados englobam apenas mais 6 personalidades associadas à ciência, (médicos em maioria) -- Fernando Nobre, Presidente da AMI (25º lugar); Pedro Nunes, Matemático (32); Sousa Martins, Médico, (57); Sobrinho Simões, médico/investigador (77); Adelaide Cabete, médica (95); António Gentil Martins, médico, (97) -- disputando a memória de “todos os grandes portugueses de sempre", o leque seleccionado dá uma ideia sobre o que os portugueses que participaram no concurso sabem, retêm e celebram acerca da ciência e dos cientistas.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Egas Moniz e o Prémio Nobel (1)



Acaba de saír, editado pela Impreensa da Universidade de Coimbra, "Egas Moniz e o Prémio Nobel, - enigmas, mistérios e segredos". Segue um extracto da sinopse:

"Este livro traz a público três contribuições principais, extraídas da investigação em curso: uma abordagem problematizadora das questões históricas e sociológicas envolvidas no processo que levou Egas Moniz a ser agraciado com o Nobel da Medicina ou Fisiologia, em 1949, (ex-aequo com o fisiólogo suíço Walter Rudolf Hess); uma cronologia das nomeações de Moniz para o Prémio, iniciada em 1928, logo após a apresentação e publicação dos resultados do que viria a ser a Angiografia Cerebral, e prosseguiu com as nomeações de 1933, 1937, 1944 e, com a nomeação coroada de sucesso, de 1949; e, ainda, um conjunto de documentos de inegável interesse, que são as avaliações dos méritos do candidato, elaboradas por membros destacados pelo Comité Nobel com vista à emissão de pareceres e recomendações finais. De acordo com o regulamento da Fundação, estes documentos são conservados com a classificação de “secretos” nos Arquivos Nobel, durante os 50 anos subsequentes à sua datação."

A tradução da documentação histórica é de Teresa Guerra, a quem agradeço, uma vez mais, a competência, a solidariedade e a simpatia.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Egas Moniz e o judaísmo


Magen David


No recém fundado Estudos sobre a Leucotomia, Ricardo S. Reis dos Santos inseriu um post intitulado "Os problemas das fontes: jornais e revistas", de que reproduzo extractos:

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Na edição de Setembro de 2006, a revista MAGAZINE – Grande Informação publicou um artigo da autoria José Manuel Simões sobre os judeus. A páginas tantas, nomeadamente na página 39, é feita uma referência aos judeus portugueses. Entre o poeta Luis Vaz de Camões, a poetisa Emma Lazarus e o matemático Pedro Nunes, lá aparece o Prémio Nobel da Medicina Professor Egas Moniz. Sobre este escreve-se o seguinte:

«O conselheiro real Egas Moniz era um judeu safardita português, um seu descendente, o professor Egas Moniz, passados oitocentos anos, ganhou, em 1949, o primeiro Prémio Nobel da Medicina para Portugal por ter descoberto a lobectomia e a angiografia (...)»
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Sem prejuízo de um mais circunstanciado comentário, parece-nos que a hipótese de Egas Moniz descender do aio de D. Afonso Henriques, com o mesmo nome, é vaga, improvável, e mereceu ao próprio Moniz algumas notas de desafectação [ver, p.ex. aqui e aqui]
Egas Moniz referiu-se aos judeus, umas quantas vezes, em termos (pelo menos) pouco lisonjeiros. Sendo irrisório o grau de probabilidade de Moniz se ter convertido, resta-nos apreciar a diligência de José Manuel Simões à luz do que poderíamos chamar o engrandecimento de uma certa ideia de judaísmo através do reforço simbólico que representaria a “inclusão” histórica de alguém cuja reputação acentuaria as características positivas e heróicas do grupo de pertença (efectiva ou mitificada).

É uma perspectiva interessante.

terça-feira, setembro 26, 2006

Egas Moniz ganhou ... mais um Blog!



Blog a Blog.

Há a assinalar o surgimento de um novo blog dedicado ao mais controverso dos métodos criados pelo neurologista português Egas Moniz. O “Estudos sobre a Leucotomia” veio trazer o seu concurso a esta área de estudo e reflexão.
O novo blogger -- Ricardo S. Reis dos Santos -- ocupa-se principalmente da denúncia daquilo a que chama as “falácias” acerca do método leucotómico.

Bem vindo.
Vamos a isto!

segunda-feira, setembro 25, 2006

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (5)


Aspecto da estátua ao Prof. Egas Moniz
(Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa)


O cinquentenário da morte de Egas Moniz foi palidamente assinalado num ou noutro momento do ano passado. Aqui fizemos referência -- [1], [2], [3], [4] e [5] -- a essa forma leve e vaga de falar de Moniz sem o “incómodo” de discutir "demasiado" acerca dele…

A Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa assinalou o evento já em 6 de Fevereiro deste ano.

A publicação das comunicações feitas na respectiva sessão comemorativa foram recentemente publicadas na Revista da Faculdade, nº 3, Maio-Junho [disponível aqui].

sábado, agosto 26, 2006

Representações de Egas Moniz (1)


Egas Moniz com açúcar.


Tudo começa, por vezes, à mesa de um café. A Andreia, (obrigado, Andreia!) depois de ter rasgado um canto do pacote de açúcar, fica a observá-lo. Traz uma notícia de há 57 anos, quando o Prémio Nobel da Medicina foi entregue a um português. Quem foi, afinal, este Egas Moniz?

quarta-feira, abril 19, 2006

O novo paradigma neuronal (1)



Santiago Ramón y Cajal



A influência da obra científica de Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) irradiou-se seguindo uma lógica semelhante à que Egas Moniz (1874-1955) adoptou, cerca de 30 anos mais tarde, quando tratou de divulgar os primeiros resultados da Encefalografia Artérial (1926). Enquanto se conformou à circulação em língua autóctone e às instituições nacionais, manteve um alcance restrito; logo que conquistou a atenção dos cientistas e das instituições mais prestigiadas, internacionalizou-se rapidamente, suscitou polémicas apaixonadas e consolidou-se recompensando o seu autor com a quota parte de notoriedade indispensável para sinalizar a inovação que reivindicava.

Foi ao ligar-se com cientistas e sociedades científicas da Alemanha, França, Itália, Bélgica e Suécia, que Ramón y Cajal imprimiu o impulso decisivo à avaliação e validação das suas teses, rapidamente partilhadas, discutidas e confirmadas por comunidades científicas cujas ligações se iam tornando indiferentes às fronteiras nacionais, mas cujas concentrações de saber-poder configuravam, nos planos cultural e político, assimetrias homólogas às que se verificavam nos planos social e económico.

Comemoram-se, em 2006, 154 anos do nascimento de Santiago Ramón y Cajal, (em Petilla, Navarra) e um século do Prémio Nobel, que recebeu conjuntamente com o histologista italiano Camillo Colgi.

sábado, fevereiro 11, 2006

Egas Moniz e o Prémio Nobel (1)





A primeira nomeação de Egas Moniz para o Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia, data de 1928. Escassos meses após ter feito, no Hospital Necker, em Paris, uma demonstração do modus operandi da Encefalografia Arterial, o Comité Nobel recebia as cartas de nomeação, assinadas por Azevedo Neves e Bettencourt Raposo. Ambos se dirigiram ao Comité Nobel, escrevendo em francês.
Azevedo Neves utiliza a designação de «encéphalographie artérielle», enquanto Bettencourt Raposo se refere à descoberta da «radioartériographie cérébrale».

A avaliação da candidatura de Moniz foi feita por Hans Christian Jacobeaus.

Num relatório de pouco mais de uma página, Jacobeaus, após uma descrição sumária do método e de uma apreciação meteórica dos resultados obtidos, enfatiza os inconvenientes, e lavra o seu parecer (que pode ser lido aqui)

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Álvaro Cunhal e Egas Moniz (1)



Referências a Egas Moniz na obra de José Pacheco Pereira

Cruzamento de referências na Biografia de Álvaro Cunhal que José Pacheco Pereira (blogue sobre a Biografia, aqui, e Abrupto, ali) tem vindo a publicar, tendo dado à estampa, recentemente, o 3º volume «Álvaro Cunhal. Uma biografia política – O prisioneiro (1949-1960)», Vol. III, Lisboa, Temas e Debates, 2005.

Por volta dos anos vinte do século passado, Egas Moniz deixa a política activa. Tendo em conta o modo como se passa a referir a esse período que foi de 1901 até cerca de 1920, poder-se-ia dizer que «abandonou» a política activa, desapontado com o desfecho do ciclo sidonista e a impossibilidade do reagrupamento de dissidentes evolucionistas, unionistas e ex-sidonistas, num novo partido orientado contra os excessos jacobinistas da «República Velha».

O 28 de Maio de 1926 encontra-o a trabalhar activamente, na Universidade e no laboratório, preparando, em segredo, a invenção da Angiografia Cerebral. Seguir-se-lhe-á, em 1935 a descoberta da leucotomia pré-frontal e a elevação da sua notoriedade internacional que culminará, em 1949, com a atribuição do Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia.

Durante esse período, Moniz está, quase por completo, dedicado ao ensino e à investigação científica.

Porém, a partir da sua jubilação e, mais acentuadamente, após ter recebido o Prémio Nobel, Egas Moniz adoptará uma militância de carácter cívico, em prol da causa da Paz e da Liberdade, demarcando-se sempre das correntes que considerava radicais.

A primeira entrada de Egas Moniz no território biográfico que Pacheco Pereira delimitou, encontra-se no 2º volume da biografia: JPP, (2001), Álvaro Cunhal. Uma biografia política - «Duarte», o dirigente clandestino (1941-1949), Vol. II, Lisboa, Temas e Debates.

Reza assim, a páginas 808:

Assim, em Março de 1947, a CC do MUDJ, numa circular confidencial, lançava uma campanha para recolha de 20.000 assinaturas destinadas a patrocinar uma homenagem a Norton. De forma críptica, dizia-se «tratar-se de uma iniciativa de maior alcance político, da qual podemos tirar várias conclusões, altamente agradáveis para nós» {nota 39: a comissão central do MUDJ, circular extraordinária às comissões (confidencial), 11 de Março de 1947.} no entanto, o nome do General não suscitou consenso desde o início e, na oposição não comunista, Sérgio, parte do PRP e Cunha Leal opuseram-se. As razões não eram coincidentes e espelhavam divergências que já vinham de trás, mas somente Cunha Leal se manteve tenaz na sua atitude de recusa.

António Sérgio pretendia a candidatura de um militar moderado no activo, ligado ao regime, Costa Ferreira, ou o Prémio Nobel da Medicina Egas Moniz, considerando as mais abrangentes e mais capazes de mobilizarem áreas fora da tradicional oposição {nota 40: Secretariado do PCP, Alguns aspectos da actividade do sr. A. S. Contrárias à Organização do Conselho Nacional, Agosto, 1948}.

Esta passagem é interessante a vários títulos. Salienta as clivagens existentes nas oposições ao regime fascista, mostrando quão complicadas já eram, por esses tempos, as coisas nestas paragens; chama a atenção para a demarcação comunistas/não comunistas; e comete um pequeno deslize de carácter anacrónico: trata Egas Moniz como Prémio Nobel, coisa que só virá a verificar-se mais tarde, em 1949. É inteiramente compreensível o deslize. Poder-se-ia até, se necessário, em favor de Pacheco Pereira, sustentar que, escrevendo nós sempre no presente, não é de espantar que colemos aos actores históricos as qualidades que já sabemos que eles virão a adquirir num futuro não muito longínquo. É claro. No entanto, aqui fica a reflexão.


quinta-feira, dezembro 15, 2005

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (4)



PÚBLICO de hoje (2005-12-15, pág.5)

O PÚBLICO de hoje inseriu na rubrica «Cartas ao Director» um texto assinado por Luis Coelho, de Lisboa, em que o signatário expressa surpresa pelo facto de o Cinquentenário da Morte de Egas Moniz não estar a merecer o destaque que seria adequado ao primeiro Nobel português. Diz ele que

«É no mínimo de espantar que, àparte algumas notícias em jornais de qualidade inequívoca, os 50 anos da morte de Egas Moniz não tenham suscitado um tratamento mais acalorado por parte dos órgãos de comunicação social. Esperaríamos, pelo menos, uma pequena exposição ou ensaio biográfico. Mas pouco ou nada se fez! Não entendo a razão de tamanha escassez de orgulho num homem que revolucionou o mundo das neurociências. Não consigo perceber o porquê de tal acontecimento.»

A perplexidade de Luis Coelho é compreensível. Numa época em que a ciência se constituiu como o mais aperfeiçoado patamar da nossa racionalidade, impondo-se como perspectiva doutrinária e critério dominante do acerto das políticas públicas, a «escassez de orgulho» num cientista português agraciado, em 1949, com o maior galardão da «Medicina ou Fisiologia» é estranha.


Por estar de acordo com o autor da carta, e independentemente de o seguir em todas as afirmações parcelares que nela faz, adiantarei, proximamente, uma série de reflexões acerca do relativo blackout que tem vitimado a memória de Egas Moniz.

Cinquentenário da Morte de Egas Moniz e Centenário do Nascimento de Ruy Luis Gomes


Foto de Egas Moniz, com Ruy Luis Gomes à sua direita

Foto publicada no blogue Ruy Luis Gomes, destinado à celebração do centenário do seu nascimento - 5 de Dezembro de 1905 - 5 de Dezembro de 2005.

Lá se pede que «Relativamente a esta fotografia, como relativamente a outras, solicita-se informações sobre a data, as circunstâncias e as identidades das pessoas representadas.»

O blogue «Egas Moniz» associa-se ao centenário de Ruy Luis Gomes e ao pedido de cooperação. O interesse é comum e recíproco.

Parabéns aos autores do blogue «Ruy Luis Gomes» pela iniciativa e pelo excelente trabalho que têm desenvolvido.