terça-feira, novembro 25, 2008

Bibliografia (2)


Edição de 1936, da Editora Masson. Egas Moniz era agilíssimo a registar as suas realizações científicas, acautelando, assim, apropriações indevidas. Para tal, já nesse tempo, não era suficiente publicar em português...

Anos antes, na mesma editora, dera à estampa Diagnostic des tumeurs cérébrales et épreuve de l'encéphalographie artérielle, em 1931, e L'Angiographie Cérebrale, em 1934.

Cortesia do Centro de Estudos Egas Moniz, com um agradecimento especial à Dra. Clara Pires.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Bibliografia (1)


Tempos atrás, escrevi um pequeno artigo para a Análise Social. Aqui fica arquivado para quem nele vier a ter interesse.

sexta-feira, outubro 10, 2008

Nobel da Medicina 2008



O Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia deste ano foi dividido por três: Harald zur Hausen (da Alemanha), e Françoise Barré Sinoussi com Luc Montagnier (da França). Mais pormenores no site da Fundação Nobel .

No PÚBLICO de hoje, Carlos Fiolhais escolhe um curioso ângulo de abordagem para esta problemática, chamando a atenção para o "facto" de Portugal, apesar das ideias de senso comum que circulam nesta matéria, ir à frente de países como a Espanha e o Japão. O artigo intitula-se "Portugal ainda à frente do Japão" e vem na página 45 da edição em papel.

Como é que Portugal com os "seus" dois prémios Nobel (Egas Moniz, Medicina ou Fisiologia,1949, e José Saramago, Literatura, 1998) consegue ir à frente da Espanha e do Japão?

Carlos Fiolhais, num registo que oscila entre a razão estatística, a ironia e o humor, explica:

"(...) uma comparação razoável entre os vários países tem de levar em conta o tamanho das respectivas populações: ora o Japão, com 128 milhões de habitantes, tem só 0,12 prémios por milhão de habitantes, ao passo que nós, com 11 milhões de habitantes, temos 0,18 prémios por milhão de habitantes. Além de estarmos à frente do Japão, estamos também à frente da Espanha, que não passa de 0,15 prémios por milhão de habitantes (tem 5 Nobel na Literatura e 2 na Medicina para uma população que é quatro vezes a nossa), e muito à frente do Brasil, que não tem nenhum Nobel. Se nós temos um défice na classificação dos Nobel por habitante (21º lugar) a Espanha e Brasil têm défices maiores."

No entanto, como o autor do artigo enfatiza adiante, "A nossa distância em relação ao Japão é abismal, pois esse país gasta 3,1% do seu PIB, que é, aliás, bem maior do que o nosso, enquanto nós ficamos pelos 0,8 por cento, menos de metade da média europeia (dados de 2005)."

Com esta (e outras) atempadas considerações, Carlos Fiolhais remete, indirectamente, para a solução de muitos enigmas que obscurecem as questões científicas: a "justeza" dos critérios na atribuição dos prémios; as políticas públicas de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação, incluindo, é claro, o esforço privado; e a gestão das agendas de investigação, condicionam decisivamente a valorização da produção científica.

A estatística parcial é... demasiado parcial.

Conquanto, Carlos Fiolhais prossiga, convicto de que "Ao contrário do que acontece na literatura e na Paz, os Prémios Nobel na Física e na Química raramente são controversos", não se descortina a "medida" que o levou ao advérbio de modo.

Estará Carlos Fiolhais a "ocultar" por detrás de nova arquitectura estatística (parcimoniosa) o inverso do que afirma? Ou, pura e simplesmente não confere importância às inúmeras controvérsias que se vão sucedendo nas áreas que apontou? 

domingo, agosto 31, 2008

Evocações (1)


Passei uma destas manhãs pelo Hospital de Santa Marta. Ia à cata de marcas ou inscrições associadas verdadeiro proprietário deste blog. Tive a sorte de ser recebido pela Dra. Célia Pilão, Administradora Hospitalar. Competente e amável, acompanhou-me numa breve visita a alguns dos principais locais com importância patrimonial histórica.


Hospital de Santa Marta, fachada principal - antigo convento de Santa Marta, Armando Serôdio, 1968, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - A63039



Dessa visita, deixarei aqui umas quantas anotações e imagens.


Mas onde está Egas Moniz?

Em 1º lugar, fiquei surpreendido pela ausência de referências ao Professor Egas Moniz no Hospital de Santa Marta. Depois de ter dirigido, neste hospital, o Serviço de Neurologia, sendo, ao mesmo tempo, Catedrático de Neurologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, que ali foi criada com a reforma do ensino universitário da 1ª República, Egas Moniz desenvolveu, também naquelas instalações, a investigação científica que conduziria à Angiografia Cerebral (1927) e à Leucotomia Pré-frontal (1935). Cinco anos após a sua jubilação, foi distinguido com o Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia (1949). Este conjunto de distinções tornou-o uma figura incontornável nos estudos acerca da Ciência e da Medicina. Por isso surpreende não se encontrar (à 1ª vista, pelo menos) qualquer alusão, placa evocativa ou nota histórica que lhe diga respeito.


Soslaio dos Claustros do Hospital de Santa Marta


É certo que no actual Hospital Universitário (Santa Maria, inaugurado em 1954) damos com o seu nome por todo o lado. A começar pela toponímia (Avenida Professor Doutor Egas Moniz), passando pela designação de edifícios, salas, um Centro de Estudos, um pequeno Museu, e uma estátua em bronze executada pelo escultor Euclides Vaz e erigida em frente da entrada da Faculdade de Medicina em 1974, por altura da celebração dos 100 anos do seu nascimento.

Tal não obsta a que, em Santa Marta, a ausência de quaisquer alusões ao 1º Nobel português intrigue e interpele. Apesar de tudo, trabalhou lá durante cerca de 33 anos...

Porque será?

PS

De súbito, a um canto de uma sala de espera, uma marquesa (ainda por catalogar), constitui a excepção.


quarta-feira, agosto 27, 2008

Egas Moniz e a Psicanálise (1)


Apesar de remontar a 1915 o 1º texto em português sobre a Psicanálise (*), Júlio Dinis e a sua obra oferece uma das raras oportunidades em que Egas Moniz aplicou à crítica literária o método derivado da teoria de Freud.
Gomes Coelho (que tomou Júlio Denis por pseudónimo literário) foi, além de um consagrado homem de letras, um médico, cuja preparação Moniz documenta e enaltece, lamentando a sua morte prematura, e fazendo passar, frequentemente, a ideia de uma grande proximidade espiritual.
A obra foi inicialmente publicada em dois volumes (**), contendo no capítulo final do 1º volume - Júlio Dinis e a psico-análise - um dos textos de referência em que Moniz toma como instrumento de crítica literária, uma aplicação da psicanálise (neste caso, da interpretação dos sonhos) a um episódio extraído de As Pupilas do Senhor Reitor.
Se o Abade Faria (***) foi, ao fim e ao cabo, o precursor do hipnotismo moderno, Diniz, poderia ter sido, no entendimento de Moniz, um psicanalista avant la lettre.
O prefácio de Ricardo Jorge (1858-1939) exemplifica o distanciamento e a desconfiança que os ventos da psicanálise suscitavam, se bem que, ao mesmo tempo, o prefaciador desse prova de uma certa disponibilidade para apreender inovações.

Os primeiros capítulos são dedicados ao Júlio Denis estudante, à sua dissertação inaugural e outros pormenores que se prendem com o percurso académico. Justificando a obsolescência parcial das teses então em curso, Moniz sublinha o que de 1864 (ano da formatura de Denis) até à data em que escreve, se desactualizou, comentando:

"Nada mais fugaz, nada menos duradoiro do que os liovros e tratados de medicina! Em todas as ciências e nomeadamente nas ciências biológicas, a verdade é sempre relativa.Às concepções de hoje, sucedem-se as doutrinas opostas de amanhã. Na Medicina, sobretudo, onde os progressos são mais constantes devido ao esforço de muitos milhares de seus cultores, a mutação é mais rápida e mais radical." (p.32)

===

(*) As bases da psicnálise. Lição do Curso de Neurologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, A Medicina Contemporânea, 1915, Ano XXXII, fasc.47, p. 377-383, Lisboa, 1915.

(**) Júlio Deniz e a sua obra, Lisboa, Casa Ventura Henriques, 1924, I Volume, com
Prefácio de Ricardo Jorge.

(***) O Abade Faria na história do Hipnotismo. Conferência de Lisboa. Ampliada e dividida em capítulos. Publicação da Faculdade de Medicina. I Volume, Lisboa, 1925.

A 6ª edição, cuja capa reproduzimos, compreende um único volume de 484 páginas:

Júlio Dinis e a sua obra, Porto, Livraria Civilização, 1946.

sexta-feira, julho 18, 2008

Uma "Estreia Absoluta" (2)


Apontamento da sessão de apresentação do livro na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Ao fundo, à esquerda, o Prof. João Rui Pita, no uso da palavra.


Coube ao Professor João Rui Pita (também coordenador do Grupo de História e Sociologia da Ciência do CEIS20) a apresentação do livro. Traçou uma notável síntese biográfica, pondo em relevo as características dos textos agora republicados (a edição fac-similada parte de uma outra,de 1945, da Ática).

Uma "Estreia Absoluta" (1)


Na passada 3ª feira, (15/07/2008), a Imprensa da Universidade de Coimbra deu a público a edição fac similada de "Conferências Médicas", contendo, além de duas delas, (de entre muitas que proferiu), uma nota dos iniciadores e promotores da edição, e o prefácio de João Lobo Antunes.

Depois de ali se ter formado (1900) e sido professor (1901-1911), a Imprensa da Universidade publica, pela primeira vez, um livro de Egas Moniz.

Este sentido de oportunidade, esta tempestividade, não podem deixar de impressionar...

segunda-feira, abril 07, 2008

Outras perspectivas (15)


Livro publicado no ano passado, inclui um curto apontamento intitulado "Egas Moniz: um cientista em viagens. A internacionalização como estratégia"

A referência completa é PITA, João Rui; PEREIRA, Ana Leonor (Coords), Rotas da Natureza: cientistas viagens, expedições e instituições, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007.

O apontador para o índice do livro está aqui, e para o catálogo da Imprensa da Universidade, ali.

domingo, março 23, 2008

Egas Moniz e o Prémio Nobel (2)



Datado de 10 de Junho de 1954, o manuscrito de Egas Moniz intitulado "Apontamentos [não revistos] a propósito do Prémio Nobel de 1949", regista o diário dos acontecimentos ocorridos cinco anos antes, passando em revista as primeiras notícias, as reacções, as felicitações e... os silêncios.

Pode ler-se, por exemplo, na página 3:


"Os parabéns chegaram dos colegas, dos amigos, dos conhecidos e desconhecidos, do povo do país que vibrou com a minha alegria e com a recompensa ao meu trabalho.

Do governo, dois amigos antigos mandaram-me telegramas em nome pessoal. Da Presidência da República, nada. O Marechal Carmona tão solícito em me saudar em outros momentos da vida, esqueceu-se ou não quis evidenciar-se."

________________________________

Do espólio do Psiquiatra Joaquim Seabra Diniz.
Cortesia de Lina Seabra Diniz e Armando Myre Dores.

Outras perspectivas (14)




Para ilustrar o conteúdo do post anterior, a ficha de matrícula do Serviço de Saúde/Repartição de Pessoal da CP, onde foram assinaladas a entrada ao serviço, em Estarreja (1903), em Lisboa (1907), e a reforma (1945). Cortesia do Arquivo Histórico e dos Recursos Humanos da CP.

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Outras perspectivas (13)


Egas Moniz foi também um ferroviário, no sentido lato que lhe é dado pelo facto de ter pertencido aos quadros daquela empresa durante praticamente toda a sua vida activa.
Pouco após a conclusão do curso de medicina, em Coimbra, Egas Moniz "entrou para o serviço da CP, primeiro como simples médico de secção (em Estarreja) e depois como especialista de doenças nervosas, no ano de 1903, onde permaneceu até fins de 1944, data em que foi atingido pelo limite de idade." (1)

No ano em que se reformou, o Boletim da CP dedica-lhe uma página de louvor. Em rodapé, um lema: "Uma grande vontade gera um grande valor" em clara alusão aos atributos da figura celebrada.
"O Professor Dr. Egas Moniz, por ter completado 70 anos de idade, deixou de fazer parte do quadro de especialistas do Serviço de Saúde, onde muitos anos figurou como neurologista." (2)

E finalmente, um destaque de página inteira, com foto centrada na metade inferior da página, comunicando que "A Assembleia Nacional, a Faculdade de Medecina e a Ordem dos Médicos prestaram merecidíssima homenagem ao ilustre sábio, a quem foi entregue por um banco da capital, a avultada importância de Esc. 432.023$50, correspondente à parte que lhe cabia no Prémio Nobel". (3).

Eis, pois, uma outra comunidade empresarial que reivindica Egas Moniz como um dos seus.


(Documentos digitalizados à direita. Click para aumentar)

(1) "Vultos célebres dos nossos caminhos de ferro" in Rede Geral, nº 11, Setembro de 1977, pág. 8.





(2) "Doutor António Egas Moniz" in Boletim da CP nº 186, Dezembro de 1944, pág. 225





(3) "O 'Prémio Nobel de Medecina' foi conferido ao antigo médico da C.P. Prof. Dr. Egas Moniz" in Boletim da CP nº 247, Janeiro de 1950, pág.3




quarta-feira, janeiro 23, 2008

Outras Perspectivas (12)





Egas Moniz foi também "médico ferroviário". Na antiga carruagem "posto médico" patente no Museu dos Caminhos de Ferro de Lousado, instalado nas antigas oficinas do Caminho de Ferro, em Guimarães, Moniz é homenageado. Curiosamente, a a locomotiva n.º 6 CFPPV (na foto) com a qual se reconstitui uma composição da época, foi construída em Inglaterra em 1874. Quer dizer: tomou "nascimento" no mesmo ano em que o homenageado nasceu.
Coincidências.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Outras Perspectivas (11)

No programa da SIC-Mulher, Serralves fora de horas (6ªs feiras), (21/12/2007) Nuno Monteiro Pereira, convidado (urologista e andrologista) "revela" que nas Faculdades de Medicina das Universidades Portuguesas não há ainda uma cadeira de sexologia.
Antes, Mariana Pinto da Costa, Coordenadora Nacional do Departamento de Saúde Reprodutiva e Sida da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), declarara à LUSA, em Setembro passado, que «O sexo é um tema que não é muito falado no decorrer do curso de medicina».

Reparem: Egas Moniz fez publicar a 1ª edição de A Vida Sexual, (ver p. ex. aqui), no início do século XX. Se os cursos de medicina não acolheram, entretanto, a sexologia como área interdisciplinar necessária e pertinente, isso quer dizer que os processos destinados à preparação para os temas associados à sexualidade têm estado pouco mais que ... parados.

Se quiséssemos identificar os processos bloqueados no século XX, teríamos necessariamente de incluir este. Um século depois, estamos praticamente na mesma.

terça-feira, outubro 30, 2007

Empreendedorismo (1)


A par de muitas outras actividades, Egas Moniz participou em diversas iniciativas empresariais. Apesar de tal não ter sido destacado, nem pelo próprio, nem pelos autores das numerosas notas biográficas a seu respeito, Moniz ficou associado à fundação da Companhia de Seguros A Nacional (Porto, 1906), e à constituição da Sociedade de Produtos Lácteos, Lda. ( 1923).


"Em 1905, a Sociedade Henri Nestlé foi nomeada fornecedora da Casa Real Portuguesa de farinha láctea, leite condensado e chocolate. Até 1920, a indústria de lacticínios portuguesa limitava-se a um número escasso de fabricantes artesanais de manteiga que não respeitavam os mais elementares requisitos de higiene. A Sociedade de Produtos Lácteos (SPL), criada em 1923 por três figuras de primeiro plano, viria a constituir o embrião da Nestlé Portugal.

A fundação desta sociedade foi resultado de três aspirações que se completavam. Uma delas era a de um médico que, embora não fosse especialista em nutrição de crianças, recusava-se a baixar os braços perante os elevados índices de mortalidade infantil, resultantes em parte da inexistência de um alimento que substituísse eficazmente o leite materno. Esse médico era o professor Egas Moniz, cujas descobertas no campo da Neurologia lhe granjearam renome internacional e o Nobel da Medicina em 1949."(1)



(1)Isabel Oliveira, "80 anos de papas" na Única (Expresso) nº 1619 de 8/11/2003

segunda-feira, outubro 29, 2007

Outras Perspectivas (10)



Na página 11 do nº 419 da revista FOCUS (24 a 30/10/2007). Ponto forte: não deixar cair a memória do primeiro Nobel português; ponto fraco: o afunilamento da efeméride para o leucótomo e para a imprecisão da asserção "solucionando algumas psicoses".
A fotografia é do "jovem doutor". Em 1949, Moniz ia nos seus 75 anos...
Ao jornalismo de efemérides não poderá provavelmente fazer-se as mesmas exigências de rigor e profundidade que se fazem ao ofício dos historiadores. Ainda assim, aqui fica o comentário.

quarta-feira, outubro 10, 2007

Nobel da Medicina 2007

O Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia deste ano, foi dividido por Mario R. Capecchi (na foto), Sir Martin J. Evans e Oliver Smithies, pelos seus trabalhos de indução de alterações genéticas.
Mario Capecchi é de origem italiana e está actualmente no Howard Hughes Medical Institute (Universidade do Utah, EUA); Martin Evans é do Reino Unido (universidade de Cardiff); e Smithies nasceu no Reino Unido e é investigador da Universidade da Carolina do Norte, EUA.

Informação disponível no site da Fundação Nobel.

A propósito de Capcchi, o Le Monde publicou uma peça de síntese acerca da atribulada história de vida do nobelizado. Pode ser lida [aqui].

segunda-feira, outubro 08, 2007

Cilícios mentais... (1)

O Estado Novo; os movimentos políticos de oposição ao Estado Novo; os patriotas; os neurologistas; os psicanalistas e outros grupos, mais ou menos ancorados institucionalmente, reivindicaram e reivindicam, quase sempre a justo título, Egas Moniz como um dos seus. O seu sucesso e notoriedade contribuíram para o reforço dos seus prestígios, das suas identidades e das suas imagens públicas. Em boa parte, essa invocação de Moniz, fragmentada na pluralidade de aspectos de que cada grupo selecciona um para colocar em destaque (o político, o cientista, o médico, etc) produz um caleidoscópio de imagens, ilusoriamente separadas, aparentemente contraditórias, como se de diferentes entidades se tratasse.

Deveremos juntar a esses exemplos de reivindicação comunitária, o texto de um padre jesuíta, que descortinou na carreira bem sucedida de Moniz, a influência decisiva do modelo de educação dos colégios jesuítas.

Trata-se do Padre jesuíta Gomes de Azurara que escreveu, em 1951, na revista Brotéria [*], uma recensão do livro recém publicado, de Egas Moniz, "A Nossa Casa"[**].
Moniz recorda a sua passagem pelo colégio jesuíta de São Fiel, salientando aspectos favoráveis (o estímulo experimental na formação do espírito científico), não deixando de, em paralelo, apontar defeitos, designadamente em relação à distribuição dos tempos lectivos.

Onde Egas Moniz escreveu (pág. 254) "No colégio, ao lado da exagerada vida religiosa, que nos levava tempo e roubava actividade"[**], Gomes de Azurara introduz uma chamada para nota de rodapé (pág. 421): "Há evidente exagero nesta afirmação. Existem os regulamentos do colégio desse tempo. A distribuição das práticas religiosas mostra que elas eram o que sempre foram e são de uso, em colégios verdadeiramente católicos"[*].

Todavia, logo a seguir, aquiesce relativamente a um remoque da mesma natureza do anterior. Diz Egas Moniz no parágrafo seguinte: "O equilíbrio entre orações, exercícios físicos e estudo, merecia ser melhor estabelecido"[**]. Comentário de Gomes de Azurara: "É possível. A pedagogia moderna tem alargado horizontes, neste ponto, e os Jesuítas, nos seus sistemas, têm beneficiado com isso"[*].

Mais adiante, Azurara verbera Moniz relativamente a expressões como "cilícios mentais" impostos aos ordenados.

Mais concretamente, Moniz discorre sobre o que aquele seu mestre jesuíta poderia ter sido noutras circunstâncias:

"
Suponho que o Padre Santana veio a falecer tuberculoso. Era da Madeira. Apesar de jungido aos cilícios mentais que a Ordem lhe impunha, foi um dos grandes espíritos que conhecia na minha vida. Noutra ambiência e com outras directrizes, a trajectória da sua existência ficaria marcada em obra de vulto"[**]

Gomes de Azurara remata"Dentro destas reservas, folgamos com o registo de tão abonatório testemunho do primeiro prémio Nobel português à pedagogia dos seus mestres jesuítas." [*]

Era aqui que o Padre Jesuíta, de facto, queria chegar.



[*] Azurara, Gomes de., (1951),
“O primeiro Prémio Nobel português, aluno dos Jesuítas” in Brotéria, Vol. LII, Fasc. 4.

[**] Moniz, Egas., (1950), A Nossa Casa, Lisboa, Paulino Ferreira, Filhos Lda

domingo, setembro 30, 2007

Outras Perspectivas (9)

Postal evocativo de Egas Moniz com traje académico, selo comemorativo e carimbo do Hospital de Santa Maria. Múltiplas inscrições em busca de um efeito: manter activas as imagens.

No verso do postal: "António Caetano de Abreu Egas Moniz, político, diplomata,literato, crítico de arte e acima de tudo médico, professor e cientista, nasceu em Avanca em 1874 e faleceu em Lisboa em 1955. Foi-lhe atribuido em 1949 o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia"


Cortesia de Vieira Pinto, do seu arquivo de "Figuras Ilustres".




sábado, setembro 22, 2007

Outras Perspectivas (8)




"Tivemos, portanto, que esperar até ao ano de 2000 para ver a atribuição do prémio Nobel a um psiquiatra por uma investigação psiquiátrica, com a concessão ao catedrático da Universidade de Columbia, Eric R. Kandel, pelas suas descobertas na área da aprendizagem e da memória, em especial pela diferenciação dos mecanismos moleculares do armazenamento da memória a curto e a longo prazo. Este investigador, autor do livro imprescindível Principles of Neurosciences, iniciou o seu percurso clínico nos anos 60, ao entrar para a Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard com o objectivo definido de se dedicar à psicanálise, fascínio que termina por se esbater ao aperceber-se que, segundo explicou no discurso lido perante a Fundação Nobel, as limitações da psicanálise se prendiam com a forma como esta teoria tratava “o cérebro, o órgão que gera o comportamento”, que era abordado “como uma caixa preta”. Isto é, para Kandel, a psicanálise fez com a biologia do cérebro o que o comportamentalismo clássico tinha feito com a vida intrapsíquica: negou-a


Gramary, Adrian., (2007),“De Egas Moniz e da impossibilidade de mudar o passado” in Saúde Mental, Volume IX Nº2 Março/Abril 2007, pp. 53-57.


Versão do artigo, na íntegra, em PDF [AQUI]

quinta-feira, setembro 13, 2007

Outras Perspectivas (7)

Muito obrigado a Vieira Pinto pela foto da capa do livro de Egas Moniz “A Vida Sexual” e pela anotação que juntou à mensagem que me enviou:

Quando o que é (era) proibido passa (passou) por muitas mãos, fica neste estado. Bom sinal!

Há, na história da recepção deste livro, uma série de desafios à compreensão de como fomos encarando e pensando as problemáticas sexuais, desde finais do século XIX. Esta edição de 1904 separa ainda a 1ª parte - “Physiologia”, - em edição autónoma, da 2ª parte - “Patologia”, - que virão a ser reunidas num só volume a partir de 1913. Um verdadeiro best seller, para a época, polémica, desafiadora dos interditos puritanos e sexófobos, foi objecto de 19 edições até 1933. O regime fascista veio a condicionar a sua circulação, colocando obstáculos e filtros elitistas à sua leitura ou aquisição. Já aqui nos referimos, de passagem, a alguns desses aspectos. Ver, p.ex., [aqui] e também [aqui].


Suma Bibliográfica

«A Vida Sexual» (Fisiologia), 1ª edição, XXIV - 262 pp., Coimbra 1901, 2ª edição, XIX - 352 pp., Lisboa, 1906.

«A Vida Sexual» (Patologia), 1ª edição, XXIII - 324 pp., Coimbra 1901, 2ª edição, XXVII - 322 pp., Lisboa, 1906

«A Vida Sexual», (Fisiologia e Patologia), Junção dos dois volumes anteriores, consideravelmente alterados em alguns capitulos. 3ª edição, XIV - 544 pp., Lisboa, 1913; 4ª edição, XXIX - 574 pp., Lisboa, 1918; 5ª edição, XXVI - 578 pp., Lisboa, 1922; 6ª edição, XXXVI - 578 pp., Lisboa, 1923; 7ª edição, Lisboa, 1928; 8ª edição, Lisboa, 1930; 9ª edição, Lisboa, 1930; 10ª; 11ª; 12ª e 13ª edição, 598 pp., Lisboa 1931; 14ª; 15ª; 16ª e 17ª edição, Lisboa, 1932; 18º e 19º edição Lisboa, 1933.