domingo, março 23, 2008

Egas Moniz e o Prémio Nobel (2)



Datado de 10 de Junho de 1954, o manuscrito de Egas Moniz intitulado "Apontamentos [não revistos] a propósito do Prémio Nobel de 1949", regista o diário dos acontecimentos ocorridos cinco anos antes, passando em revista as primeiras notícias, as reacções, as felicitações e... os silêncios.

Pode ler-se, por exemplo, na página 3:


"Os parabéns chegaram dos colegas, dos amigos, dos conhecidos e desconhecidos, do povo do país que vibrou com a minha alegria e com a recompensa ao meu trabalho.

Do governo, dois amigos antigos mandaram-me telegramas em nome pessoal. Da Presidência da República, nada. O Marechal Carmona tão solícito em me saudar em outros momentos da vida, esqueceu-se ou não quis evidenciar-se."

________________________________

Do espólio do Psiquiatra Joaquim Seabra Diniz.
Cortesia de Lina Seabra Diniz e Armando Myre Dores.

Outras perspectivas (14)




Para ilustrar o conteúdo do post anterior, a ficha de matrícula do Serviço de Saúde/Repartição de Pessoal da CP, onde foram assinaladas a entrada ao serviço, em Estarreja (1903), em Lisboa (1907), e a reforma (1945). Cortesia do Arquivo Histórico e dos Recursos Humanos da CP.

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Outras perspectivas (13)


Egas Moniz foi também um ferroviário, no sentido lato que lhe é dado pelo facto de ter pertencido aos quadros daquela empresa durante praticamente toda a sua vida activa.
Pouco após a conclusão do curso de medicina, em Coimbra, Egas Moniz "entrou para o serviço da CP, primeiro como simples médico de secção (em Estarreja) e depois como especialista de doenças nervosas, no ano de 1903, onde permaneceu até fins de 1944, data em que foi atingido pelo limite de idade." (1)

No ano em que se reformou, o Boletim da CP dedica-lhe uma página de louvor. Em rodapé, um lema: "Uma grande vontade gera um grande valor" em clara alusão aos atributos da figura celebrada.
"O Professor Dr. Egas Moniz, por ter completado 70 anos de idade, deixou de fazer parte do quadro de especialistas do Serviço de Saúde, onde muitos anos figurou como neurologista." (2)

E finalmente, um destaque de página inteira, com foto centrada na metade inferior da página, comunicando que "A Assembleia Nacional, a Faculdade de Medecina e a Ordem dos Médicos prestaram merecidíssima homenagem ao ilustre sábio, a quem foi entregue por um banco da capital, a avultada importância de Esc. 432.023$50, correspondente à parte que lhe cabia no Prémio Nobel". (3).

Eis, pois, uma outra comunidade empresarial que reivindica Egas Moniz como um dos seus.


(Documentos digitalizados à direita. Click para aumentar)

(1) "Vultos célebres dos nossos caminhos de ferro" in Rede Geral, nº 11, Setembro de 1977, pág. 8.





(2) "Doutor António Egas Moniz" in Boletim da CP nº 186, Dezembro de 1944, pág. 225





(3) "O 'Prémio Nobel de Medecina' foi conferido ao antigo médico da C.P. Prof. Dr. Egas Moniz" in Boletim da CP nº 247, Janeiro de 1950, pág.3




quarta-feira, janeiro 23, 2008

Outras Perspectivas (12)





Egas Moniz foi também "médico ferroviário". Na antiga carruagem "posto médico" patente no Museu dos Caminhos de Ferro de Lousado, instalado nas antigas oficinas do Caminho de Ferro, em Guimarães, Moniz é homenageado. Curiosamente, a a locomotiva n.º 6 CFPPV (na foto) com a qual se reconstitui uma composição da época, foi construída em Inglaterra em 1874. Quer dizer: tomou "nascimento" no mesmo ano em que o homenageado nasceu.
Coincidências.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Outras Perspectivas (11)

No programa da SIC-Mulher, Serralves fora de horas (6ªs feiras), (21/12/2007) Nuno Monteiro Pereira, convidado (urologista e andrologista) "revela" que nas Faculdades de Medicina das Universidades Portuguesas não há ainda uma cadeira de sexologia.
Antes, Mariana Pinto da Costa, Coordenadora Nacional do Departamento de Saúde Reprodutiva e Sida da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), declarara à LUSA, em Setembro passado, que «O sexo é um tema que não é muito falado no decorrer do curso de medicina».

Reparem: Egas Moniz fez publicar a 1ª edição de A Vida Sexual, (ver p. ex. aqui), no início do século XX. Se os cursos de medicina não acolheram, entretanto, a sexologia como área interdisciplinar necessária e pertinente, isso quer dizer que os processos destinados à preparação para os temas associados à sexualidade têm estado pouco mais que ... parados.

Se quiséssemos identificar os processos bloqueados no século XX, teríamos necessariamente de incluir este. Um século depois, estamos praticamente na mesma.

terça-feira, outubro 30, 2007

Empreendedorismo (1)


A par de muitas outras actividades, Egas Moniz participou em diversas iniciativas empresariais. Apesar de tal não ter sido destacado, nem pelo próprio, nem pelos autores das numerosas notas biográficas a seu respeito, Moniz ficou associado à fundação da Companhia de Seguros A Nacional (Porto, 1906), e à constituição da Sociedade de Produtos Lácteos, Lda. ( 1923).


"Em 1905, a Sociedade Henri Nestlé foi nomeada fornecedora da Casa Real Portuguesa de farinha láctea, leite condensado e chocolate. Até 1920, a indústria de lacticínios portuguesa limitava-se a um número escasso de fabricantes artesanais de manteiga que não respeitavam os mais elementares requisitos de higiene. A Sociedade de Produtos Lácteos (SPL), criada em 1923 por três figuras de primeiro plano, viria a constituir o embrião da Nestlé Portugal.

A fundação desta sociedade foi resultado de três aspirações que se completavam. Uma delas era a de um médico que, embora não fosse especialista em nutrição de crianças, recusava-se a baixar os braços perante os elevados índices de mortalidade infantil, resultantes em parte da inexistência de um alimento que substituísse eficazmente o leite materno. Esse médico era o professor Egas Moniz, cujas descobertas no campo da Neurologia lhe granjearam renome internacional e o Nobel da Medicina em 1949."(1)



(1)Isabel Oliveira, "80 anos de papas" na Única (Expresso) nº 1619 de 8/11/2003

segunda-feira, outubro 29, 2007

Outras Perspectivas (10)



Na página 11 do nº 419 da revista FOCUS (24 a 30/10/2007). Ponto forte: não deixar cair a memória do primeiro Nobel português; ponto fraco: o afunilamento da efeméride para o leucótomo e para a imprecisão da asserção "solucionando algumas psicoses".
A fotografia é do "jovem doutor". Em 1949, Moniz ia nos seus 75 anos...
Ao jornalismo de efemérides não poderá provavelmente fazer-se as mesmas exigências de rigor e profundidade que se fazem ao ofício dos historiadores. Ainda assim, aqui fica o comentário.

quarta-feira, outubro 10, 2007

Nobel da Medicina 2007

O Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia deste ano, foi dividido por Mario R. Capecchi (na foto), Sir Martin J. Evans e Oliver Smithies, pelos seus trabalhos de indução de alterações genéticas.
Mario Capecchi é de origem italiana e está actualmente no Howard Hughes Medical Institute (Universidade do Utah, EUA); Martin Evans é do Reino Unido (universidade de Cardiff); e Smithies nasceu no Reino Unido e é investigador da Universidade da Carolina do Norte, EUA.

Informação disponível no site da Fundação Nobel.

A propósito de Capcchi, o Le Monde publicou uma peça de síntese acerca da atribulada história de vida do nobelizado. Pode ser lida [aqui].

segunda-feira, outubro 08, 2007

Cilícios mentais... (1)

O Estado Novo; os movimentos políticos de oposição ao Estado Novo; os patriotas; os neurologistas; os psicanalistas e outros grupos, mais ou menos ancorados institucionalmente, reivindicaram e reivindicam, quase sempre a justo título, Egas Moniz como um dos seus. O seu sucesso e notoriedade contribuíram para o reforço dos seus prestígios, das suas identidades e das suas imagens públicas. Em boa parte, essa invocação de Moniz, fragmentada na pluralidade de aspectos de que cada grupo selecciona um para colocar em destaque (o político, o cientista, o médico, etc) produz um caleidoscópio de imagens, ilusoriamente separadas, aparentemente contraditórias, como se de diferentes entidades se tratasse.

Deveremos juntar a esses exemplos de reivindicação comunitária, o texto de um padre jesuíta, que descortinou na carreira bem sucedida de Moniz, a influência decisiva do modelo de educação dos colégios jesuítas.

Trata-se do Padre jesuíta Gomes de Azurara que escreveu, em 1951, na revista Brotéria [*], uma recensão do livro recém publicado, de Egas Moniz, "A Nossa Casa"[**].
Moniz recorda a sua passagem pelo colégio jesuíta de São Fiel, salientando aspectos favoráveis (o estímulo experimental na formação do espírito científico), não deixando de, em paralelo, apontar defeitos, designadamente em relação à distribuição dos tempos lectivos.

Onde Egas Moniz escreveu (pág. 254) "No colégio, ao lado da exagerada vida religiosa, que nos levava tempo e roubava actividade"[**], Gomes de Azurara introduz uma chamada para nota de rodapé (pág. 421): "Há evidente exagero nesta afirmação. Existem os regulamentos do colégio desse tempo. A distribuição das práticas religiosas mostra que elas eram o que sempre foram e são de uso, em colégios verdadeiramente católicos"[*].

Todavia, logo a seguir, aquiesce relativamente a um remoque da mesma natureza do anterior. Diz Egas Moniz no parágrafo seguinte: "O equilíbrio entre orações, exercícios físicos e estudo, merecia ser melhor estabelecido"[**]. Comentário de Gomes de Azurara: "É possível. A pedagogia moderna tem alargado horizontes, neste ponto, e os Jesuítas, nos seus sistemas, têm beneficiado com isso"[*].

Mais adiante, Azurara verbera Moniz relativamente a expressões como "cilícios mentais" impostos aos ordenados.

Mais concretamente, Moniz discorre sobre o que aquele seu mestre jesuíta poderia ter sido noutras circunstâncias:

"
Suponho que o Padre Santana veio a falecer tuberculoso. Era da Madeira. Apesar de jungido aos cilícios mentais que a Ordem lhe impunha, foi um dos grandes espíritos que conhecia na minha vida. Noutra ambiência e com outras directrizes, a trajectória da sua existência ficaria marcada em obra de vulto"[**]

Gomes de Azurara remata"Dentro destas reservas, folgamos com o registo de tão abonatório testemunho do primeiro prémio Nobel português à pedagogia dos seus mestres jesuítas." [*]

Era aqui que o Padre Jesuíta, de facto, queria chegar.



[*] Azurara, Gomes de., (1951),
“O primeiro Prémio Nobel português, aluno dos Jesuítas” in Brotéria, Vol. LII, Fasc. 4.

[**] Moniz, Egas., (1950), A Nossa Casa, Lisboa, Paulino Ferreira, Filhos Lda

domingo, setembro 30, 2007

Outras Perspectivas (9)

Postal evocativo de Egas Moniz com traje académico, selo comemorativo e carimbo do Hospital de Santa Maria. Múltiplas inscrições em busca de um efeito: manter activas as imagens.

No verso do postal: "António Caetano de Abreu Egas Moniz, político, diplomata,literato, crítico de arte e acima de tudo médico, professor e cientista, nasceu em Avanca em 1874 e faleceu em Lisboa em 1955. Foi-lhe atribuido em 1949 o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia"


Cortesia de Vieira Pinto, do seu arquivo de "Figuras Ilustres".




sábado, setembro 22, 2007

Outras Perspectivas (8)




"Tivemos, portanto, que esperar até ao ano de 2000 para ver a atribuição do prémio Nobel a um psiquiatra por uma investigação psiquiátrica, com a concessão ao catedrático da Universidade de Columbia, Eric R. Kandel, pelas suas descobertas na área da aprendizagem e da memória, em especial pela diferenciação dos mecanismos moleculares do armazenamento da memória a curto e a longo prazo. Este investigador, autor do livro imprescindível Principles of Neurosciences, iniciou o seu percurso clínico nos anos 60, ao entrar para a Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard com o objectivo definido de se dedicar à psicanálise, fascínio que termina por se esbater ao aperceber-se que, segundo explicou no discurso lido perante a Fundação Nobel, as limitações da psicanálise se prendiam com a forma como esta teoria tratava “o cérebro, o órgão que gera o comportamento”, que era abordado “como uma caixa preta”. Isto é, para Kandel, a psicanálise fez com a biologia do cérebro o que o comportamentalismo clássico tinha feito com a vida intrapsíquica: negou-a


Gramary, Adrian., (2007),“De Egas Moniz e da impossibilidade de mudar o passado” in Saúde Mental, Volume IX Nº2 Março/Abril 2007, pp. 53-57.


Versão do artigo, na íntegra, em PDF [AQUI]

quinta-feira, setembro 13, 2007

Outras Perspectivas (7)

Muito obrigado a Vieira Pinto pela foto da capa do livro de Egas Moniz “A Vida Sexual” e pela anotação que juntou à mensagem que me enviou:

Quando o que é (era) proibido passa (passou) por muitas mãos, fica neste estado. Bom sinal!

Há, na história da recepção deste livro, uma série de desafios à compreensão de como fomos encarando e pensando as problemáticas sexuais, desde finais do século XIX. Esta edição de 1904 separa ainda a 1ª parte - “Physiologia”, - em edição autónoma, da 2ª parte - “Patologia”, - que virão a ser reunidas num só volume a partir de 1913. Um verdadeiro best seller, para a época, polémica, desafiadora dos interditos puritanos e sexófobos, foi objecto de 19 edições até 1933. O regime fascista veio a condicionar a sua circulação, colocando obstáculos e filtros elitistas à sua leitura ou aquisição. Já aqui nos referimos, de passagem, a alguns desses aspectos. Ver, p.ex., [aqui] e também [aqui].


Suma Bibliográfica

«A Vida Sexual» (Fisiologia), 1ª edição, XXIV - 262 pp., Coimbra 1901, 2ª edição, XIX - 352 pp., Lisboa, 1906.

«A Vida Sexual» (Patologia), 1ª edição, XXIII - 324 pp., Coimbra 1901, 2ª edição, XXVII - 322 pp., Lisboa, 1906

«A Vida Sexual», (Fisiologia e Patologia), Junção dos dois volumes anteriores, consideravelmente alterados em alguns capitulos. 3ª edição, XIV - 544 pp., Lisboa, 1913; 4ª edição, XXIX - 574 pp., Lisboa, 1918; 5ª edição, XXVI - 578 pp., Lisboa, 1922; 6ª edição, XXXVI - 578 pp., Lisboa, 1923; 7ª edição, Lisboa, 1928; 8ª edição, Lisboa, 1930; 9ª edição, Lisboa, 1930; 10ª; 11ª; 12ª e 13ª edição, 598 pp., Lisboa 1931; 14ª; 15ª; 16ª e 17ª edição, Lisboa, 1932; 18º e 19º edição Lisboa, 1933.



sexta-feira, agosto 24, 2007

Outras Perspectivas (6)

Quando Moniz, em 1906, se torna accionista fundador da companhia de seguros A Nacional, já era neurologista, professor universitário, autor de, entre outros, dois opúsculos acerca de "A Vida Sexual", reunidos mais tarde num só volume, que se converteu num best-seller, tendo contribuído decisivamente para a sua aura de especialista em disfunções sexuais de recorte psiquiátrico. Dados à estampa, pouco após conclusão do manuscrito, em Coimbra, (1901), acabavam de ser republicados, em 2ª edição, agora em Lisboa.
O jovem médico, então com 32 anos, fizera publicar, igualmente nesse ano de 1906, o artigo «As doenças populares. O perigo alcoólico» no Boletim da Assistência Nacional aos Tuberculosos, [Ano I, 1906, Fasc. 2, p.29-32, Lisboa, 1906], revelando, à vez, as preocupações de carácter médico-social que então lhe pesavam, e o carácter maciço das morbilidades derivadas do consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
Moniz preocupa-se com os aspectos sociais e políticos da prestação de cuidados de saúde. Dedica alguma atenção às consequências do excessivo consumo de bebidas alcoólicas, mas, apesar da intenção manifesta, não tornará ao assunto.
A designação de “doenças populares” e a adopção de um ponto de vista moderado em face de algumas correntes radicais que advogavam, pura e simplesmente, a eliminação do consumo de bebidas alcoólicas, indicam, por um lado, a distância social a que as elites se colocavam dos “populares”, diferenciando os consumos de bebidas alcoólicas com base nos estilos de vida. O “perigo alcoólico” é mitigado relativamente a outros grupos sociais e claramente identificado para aqueles cujos comportamentos, estados de saúde e sequelas, constituíam, de facto, um “problema” de saúde pública. Moniz coteja o caso português com o francês, denunciando a tese segundo a qual, nos países de grande produção vinícola, o consumo de vinho não tendia a ser problemático. Aponta as disfunções e complicações associadas ao alcoolismo, não poupando o leitor a alguns pormenores mais severos e horrorosos, e assume a posição de conselheiro, moralizando o uso e chamando a atenção para as implicações comportamentais e o modo como afectam a qualidade de vida dos consumidores excessivos.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Outras Perspectivas (5)









O 3º patamar é o do segredo
. Aí foram deixados, em silêncio, os capítulos da sua vida de que não se orgulhava particularmente; a memória de actos atrabiliários, excessivamente ditados pelas circunstâncias; ou, pura e simplesmente, os aspectos que não concorriam para acentuar os traços biográficos com que queria que a memória da sua figura fosse recordada na posteridade.
Homem empreendedor, com múltiplos interesses, hobbies, gostos, não foi certamente por considerar indigna a sua tripla condição de accionista fundador, médico-chefe do ramo Vida e, mais tarde, membro do conselho de administração da companhia de seguros A Nacional, que a omitiu dos seus escritos.
Ficou, assim, afastada ou esbatida esse conjunto de actividades que convoca activamente os saberes (técnicos e científicos) e poderes (políticos, financeiros, institucionais). Afastadas do registo autobiográfico, apesar do peso quotidiano dessas ocupações e da responsabilidade que implicavam. porque lhe pareceu que combinariam mal com a efígie do sábio, concentrado nos estudos e desprezando as contrapartidas materiais, com uma quota-parte de ascetismo.

É neste patamar que deixará, igualmente, quaisquer considerações sobre a sua pertença à Maçonaria, na qual fora iniciado, círculo ritual em que boa parte da elite republicana selava a entrega à luz espiritual do saber positivo, reforçando a dedicação à República pela via do templo que lhe subjaz.
Aqui ficaram também quaisquer evocações de duelos em que foi parte, testemunha, representante ou conselheiro, revivência senhorial e cavalheiresca que arrastou o arcaísmo do uso da violência em privado para acertos de honra e desagravos, entre nobres, iguais, que, ou se retratavam e apresentavam desculpas, ou faltavam ao encontro no campo da honra, outorgando, aos que compareciam, o direito de poderem envergonhá-los em público, confrontando-os com a sua cobardia.
Actividade exigente que implicava a escolha de testemunhas, emissários, tentativas de conciliação, findas as quais, se sem êxito, se seguia a escolha das armas, o lugar, e o desfecho ao "primeiro sangue" ou "até à morte".
A ética cavalheiresca impedia-o, porventura, de divulgar publicamente a sua presença actuante nos meios de práticas duelísticas, tal como o bom senso e eventualmente, algum arrependimento, o impediam de confirmar a sua pertença à maçonaria. Bem entendido. Por isso mesmo, pela ressonância dos aspectos identitários não assumidos, a sua relação com as memórias e as qualidades excluídas do figurino heróico que compôs, ganham, por contraste, toda a pertinência para nos ajudarem a compreender um homem, na sua época, enfeitando a sua coroa de louros com uma parte da sua vida enquanto omitia a outra. O homem é um só. A representação que dele próprio faz, divide-se.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Outras Perspectivas (4)

O 2º patamar consubstancia-se na Casa Museu de Avanca, ultimamente sob a alçada municipal (Câmara Municipal de Estarreja) que a tomou da Fundação criada por desejo testamentado do próprio. A "Casa do Marinheiro", curiosamente correlacionada com o tema de Ex-Libris, onde habitou com a família, e que mandou reconstruir, mais tarde, fazendo dela o seu retiro íntimo, de fins-de-semana e férias, antes ou depois do período termal a que se submetia anualmente para minorar as sequelas da gota que o atormentava desde os 24 anos. Moniz quis que a Casa do Marinheiro, com os seus espaços ajardinados e floreiras, com as colecções de pintura e outros objectos de arte, fundo documental, mobiliário e adereços permanecessem, após o seu desaparecimento, evocando a sua figura e o seu exemplo, repetindo, aos visitantes vindouros, o que tinha feito, a glória de que se cobrira e continuaria assim a ressoar, em seu louvor, seculorum et seculorum.

domingo, agosto 12, 2007

Outras Perspectivas (3)

















Cinquenta anos após a atribuição do Prémio Nobel, Egas Moniz foi celebrado em emissão filatélica. Na imagem, a variante de 80$00 (oitenta escudos) ou 0,40 € (quarenta cêntimos de um euro). Sobre a direita, uma fotografia do homenageado, em traje académico; à esquerda, em fundo, a reprodução de uma angiografia. O valor icónico desta representação sublinha a sua actividade de médico, professor universitário e cientista, com um enfoque directo numa das suas mais importantes realizações -- a Angiografia Cerebral -- datada de 1927. É interessante reparar no modo como a representação foto-pictórica selecciona os aspectos postos em destaque.

Um agradecimento especial a Maria Machado pela oferta do valioso exemplar.


terça-feira, junho 19, 2007

Outras Perspectivas (2)

O 1º patamar é o dos trabalhos (auto)biográficos. Nele se sistematizam os numerosos escritos em que Egas Moniz se ocupava, ainda que de passagem, da sua pessoa, características, feitos, descobertas e emulações, destacando-se, nesse conjunto, 4 volumes de pendor exclusivamente autobiográfico, elaborados em diferentes fases da vida.

"Um ano de política" (1919), em que pretendeu sumariar o pico final e mais intenso da sua participação institucional na política activa; "A última lição" (1944) breve excurso da saga científica do próprio, a pretexto da cerimónia de jubilação, sublinhando a Angiografia Cerebral" (1927) e a "Leucotomia Pré-frontal" (1935), dedicando muito mais espaço à primeira do que à segunda (como António Fernando Cascais justamente assinalou), concluindo com um iniludível amargor, pois chegado ao final da carreira, não vira o reconhecimento que julgava merecido; "Confidências de um investigador científico"(1949), repositório (ou arquivo, como ele, porventura, aqui e acolá, entende) de múltiplas andanças e perseveranças, que culminam nas realizações de maior projecção internacional, descrevendo atribulações, incidentes, viagens e comunicações, suas e alheias, interligadas cronologicamente com uma assumida focagem autocongratulatória; "A nossa casa" (1950), que agrupa memórias de infância e de juventude, abarcando a família, amigos e próximos, com um apontamento esotérico no final.





segunda-feira, junho 18, 2007

Outras Perspectivas (1)

[Na imagem: Casa Museu Egas Moniz, Avanca, Estarreja]

Indo ao encontro de alguns temas que me têm sido propostos por leitores do blog, passo a afixar uma série de postes relacionados com aspectos menos conhecidos da vida e obras de Egas Moniz. Para lá da sua aura de cientista nobelizado, que sobressai das biografias mais ou menos sumárias que lhe têm sido dedicadas, da faceta política, que tem sido desvalorizada na sequência das suas próprias alusões redutoras, alinham-se as fileiras de duelista, mação, empresário, umas mais desconhecidas do que outras, mantendo, porém, o atributo comum de raramente ou nunca terem sido reveladas ou esclarecidas pelo próprio.

A par do silêncio a que Egas Moniz as votou, significativo de per si, essas dimensões da sua actividade, carreiam elementos relevantes para a reconstituição do contexto histórico, social e cultural, no qual o médico, professor universitário, investigador científico, ensaísta, político e empresário, fizeram, num só trajecto, o efeito que tratamos hoje na forma de representações, tensões entre perspectivas complementares, às vezes, porém, julgadas contraditórias, ou desprezadas, por alguns as considerarem irrelevantes para o culto biográfico que pretendem encorajar.
Em muitos casos, estamos perante uma composição inspirada no próprio Moniz que legou directivas mais ou menos precisas acerca do entendimento mais apropriado que deve vingar quanto à sua vida e à sua obra.

Esse conjunto de instruções desdobra-se por três patamares distintos a que correspondem três suportes também diferenciados.


terça-feira, maio 15, 2007

Egas Moniz na Ilustração Portuguesa

(clique sobre a imagem para aumentar)

Agradeço a gentileza do anónimo que me fez chegar o documento em epígrafe, noticiando a entrada de Egas Moniz para a Escola Médica de Lisboa. Trata-se da página 466 do nº 268 da Ilustração Portuguesa, vinda a público a 10 de Abril de 1911. Moniz substitui Miguel Bombarda 1851-1910), na regência da cadeira de doenças nervosas, deixada livre por morte deste, cerca de um ano antes. Miguel Bombarda era também um destacado líder republicano. Foi assassinado por um paciente dois dias antes da eclosão triunfante da revolução. Seguir-se-á a reforma profunda das Universidades Portuguesas.

terça-feira, março 13, 2007

“Egas Moniz e o Prémio Nobel” na Ordem dos Médicos

[Fac simile do convite]

A sessão de lançamento teve lugar na passada sexta-feira, 9 de Março, na sede da Ordem dos Médicos. Presentes cerca de três dezenas de participantes. Na mesa, além do autor, a Presidente da Delegação Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Dra. Isabel Caixeiro; o Director da Imprensa da Universidade de Coimbra, Doutor José de Faria Costa; e o Professor Alexandre Castro Caldas. Por cortesia deste último, aqui fica o texto da comunicação que proferiu na apresentação do livro “Egas Moniz e o Prémio Nobel”:

Ligam-me a Egas Moniz laços de natureza diversa. Egas Moniz cursou Medicina em Coimbra com o meu avô paterno, que nunca conheci, mas de quem herdei ícones reveladores da boa relação que havia entre condiscípulos. Por outro lado, Egas Moniz foi ainda contemporâneo, nesse período, do meu avô materno que estudou Direito em Coimbra e de quem tive testemunho directo da vida de estudante. Ressalta desses relatos a singularidade da pessoa que já nesse tempo era escolhido pela Academia para ser seu representante e porta voz. Ficaram gravados na memória do meu avô os discursos feitos com rara eloquência e elegância.”[texto na íntegra aqui]

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

"Os Grandes Portugueses" e a Ciência





Egas Moniz ficou em 23º lugar no concurso “Grandes Portugueses” da RTP1. À frente de Dom Diniz; atrás de Eça de Queiroz, convenhamos que foi bastante recordado, entre os primeiros 100 seleccionados.

Assinalado com tal destaque, num concurso deste tipo, o primeiro Nobel “português”, não sai propriamente mal tratado.

Tomando em consideração que os resultados englobam apenas mais 6 personalidades associadas à ciência, (médicos em maioria) -- Fernando Nobre, Presidente da AMI (25º lugar); Pedro Nunes, Matemático (32); Sousa Martins, Médico, (57); Sobrinho Simões, médico/investigador (77); Adelaide Cabete, médica (95); António Gentil Martins, médico, (97) -- disputando a memória de “todos os grandes portugueses de sempre", o leque seleccionado dá uma ideia sobre o que os portugueses que participaram no concurso sabem, retêm e celebram acerca da ciência e dos cientistas.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Egas Moniz e o Prémio Nobel (1)



Acaba de saír, editado pela Impreensa da Universidade de Coimbra, "Egas Moniz e o Prémio Nobel, - enigmas, mistérios e segredos". Segue um extracto da sinopse:

"Este livro traz a público três contribuições principais, extraídas da investigação em curso: uma abordagem problematizadora das questões históricas e sociológicas envolvidas no processo que levou Egas Moniz a ser agraciado com o Nobel da Medicina ou Fisiologia, em 1949, (ex-aequo com o fisiólogo suíço Walter Rudolf Hess); uma cronologia das nomeações de Moniz para o Prémio, iniciada em 1928, logo após a apresentação e publicação dos resultados do que viria a ser a Angiografia Cerebral, e prosseguiu com as nomeações de 1933, 1937, 1944 e, com a nomeação coroada de sucesso, de 1949; e, ainda, um conjunto de documentos de inegável interesse, que são as avaliações dos méritos do candidato, elaboradas por membros destacados pelo Comité Nobel com vista à emissão de pareceres e recomendações finais. De acordo com o regulamento da Fundação, estes documentos são conservados com a classificação de “secretos” nos Arquivos Nobel, durante os 50 anos subsequentes à sua datação."

A tradução da documentação histórica é de Teresa Guerra, a quem agradeço, uma vez mais, a competência, a solidariedade e a simpatia.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Egas Moniz e o judaísmo


Magen David


No recém fundado Estudos sobre a Leucotomia, Ricardo S. Reis dos Santos inseriu um post intitulado "Os problemas das fontes: jornais e revistas", de que reproduzo extractos:

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Na edição de Setembro de 2006, a revista MAGAZINE – Grande Informação publicou um artigo da autoria José Manuel Simões sobre os judeus. A páginas tantas, nomeadamente na página 39, é feita uma referência aos judeus portugueses. Entre o poeta Luis Vaz de Camões, a poetisa Emma Lazarus e o matemático Pedro Nunes, lá aparece o Prémio Nobel da Medicina Professor Egas Moniz. Sobre este escreve-se o seguinte:

«O conselheiro real Egas Moniz era um judeu safardita português, um seu descendente, o professor Egas Moniz, passados oitocentos anos, ganhou, em 1949, o primeiro Prémio Nobel da Medicina para Portugal por ter descoberto a lobectomia e a angiografia (...)»
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Sem prejuízo de um mais circunstanciado comentário, parece-nos que a hipótese de Egas Moniz descender do aio de D. Afonso Henriques, com o mesmo nome, é vaga, improvável, e mereceu ao próprio Moniz algumas notas de desafectação [ver, p.ex. aqui e aqui]
Egas Moniz referiu-se aos judeus, umas quantas vezes, em termos (pelo menos) pouco lisonjeiros. Sendo irrisório o grau de probabilidade de Moniz se ter convertido, resta-nos apreciar a diligência de José Manuel Simões à luz do que poderíamos chamar o engrandecimento de uma certa ideia de judaísmo através do reforço simbólico que representaria a “inclusão” histórica de alguém cuja reputação acentuaria as características positivas e heróicas do grupo de pertença (efectiva ou mitificada).

É uma perspectiva interessante.

terça-feira, setembro 26, 2006

Egas Moniz ganhou ... mais um Blog!



Blog a Blog.

Há a assinalar o surgimento de um novo blog dedicado ao mais controverso dos métodos criados pelo neurologista português Egas Moniz. O “Estudos sobre a Leucotomia” veio trazer o seu concurso a esta área de estudo e reflexão.
O novo blogger -- Ricardo S. Reis dos Santos -- ocupa-se principalmente da denúncia daquilo a que chama as “falácias” acerca do método leucotómico.

Bem vindo.
Vamos a isto!

segunda-feira, setembro 25, 2006

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (5)


Aspecto da estátua ao Prof. Egas Moniz
(Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa)


O cinquentenário da morte de Egas Moniz foi palidamente assinalado num ou noutro momento do ano passado. Aqui fizemos referência -- [1], [2], [3], [4] e [5] -- a essa forma leve e vaga de falar de Moniz sem o “incómodo” de discutir "demasiado" acerca dele…

A Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa assinalou o evento já em 6 de Fevereiro deste ano.

A publicação das comunicações feitas na respectiva sessão comemorativa foram recentemente publicadas na Revista da Faculdade, nº 3, Maio-Junho [disponível aqui].

sábado, agosto 26, 2006

Representações de Egas Moniz (1)


Egas Moniz com açúcar.


Tudo começa, por vezes, à mesa de um café. A Andreia, (obrigado, Andreia!) depois de ter rasgado um canto do pacote de açúcar, fica a observá-lo. Traz uma notícia de há 57 anos, quando o Prémio Nobel da Medicina foi entregue a um português. Quem foi, afinal, este Egas Moniz?

quarta-feira, abril 19, 2006

O novo paradigma neuronal (1)



Santiago Ramón y Cajal



A influência da obra científica de Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) irradiou-se seguindo uma lógica semelhante à que Egas Moniz (1874-1955) adoptou, cerca de 30 anos mais tarde, quando tratou de divulgar os primeiros resultados da Encefalografia Artérial (1926). Enquanto se conformou à circulação em língua autóctone e às instituições nacionais, manteve um alcance restrito; logo que conquistou a atenção dos cientistas e das instituições mais prestigiadas, internacionalizou-se rapidamente, suscitou polémicas apaixonadas e consolidou-se recompensando o seu autor com a quota parte de notoriedade indispensável para sinalizar a inovação que reivindicava.

Foi ao ligar-se com cientistas e sociedades científicas da Alemanha, França, Itália, Bélgica e Suécia, que Ramón y Cajal imprimiu o impulso decisivo à avaliação e validação das suas teses, rapidamente partilhadas, discutidas e confirmadas por comunidades científicas cujas ligações se iam tornando indiferentes às fronteiras nacionais, mas cujas concentrações de saber-poder configuravam, nos planos cultural e político, assimetrias homólogas às que se verificavam nos planos social e económico.

Comemoram-se, em 2006, 154 anos do nascimento de Santiago Ramón y Cajal, (em Petilla, Navarra) e um século do Prémio Nobel, que recebeu conjuntamente com o histologista italiano Camillo Colgi.

sábado, fevereiro 11, 2006

Egas Moniz e o Prémio Nobel (1)





A primeira nomeação de Egas Moniz para o Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia, data de 1928. Escassos meses após ter feito, no Hospital Necker, em Paris, uma demonstração do modus operandi da Encefalografia Arterial, o Comité Nobel recebia as cartas de nomeação, assinadas por Azevedo Neves e Bettencourt Raposo. Ambos se dirigiram ao Comité Nobel, escrevendo em francês.
Azevedo Neves utiliza a designação de «encéphalographie artérielle», enquanto Bettencourt Raposo se refere à descoberta da «radioartériographie cérébrale».

A avaliação da candidatura de Moniz foi feita por Hans Christian Jacobeaus.

Num relatório de pouco mais de uma página, Jacobeaus, após uma descrição sumária do método e de uma apreciação meteórica dos resultados obtidos, enfatiza os inconvenientes, e lavra o seu parecer (que pode ser lido aqui)

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Álvaro Cunhal e Egas Moniz (1)



Referências a Egas Moniz na obra de José Pacheco Pereira

Cruzamento de referências na Biografia de Álvaro Cunhal que José Pacheco Pereira (blogue sobre a Biografia, aqui, e Abrupto, ali) tem vindo a publicar, tendo dado à estampa, recentemente, o 3º volume «Álvaro Cunhal. Uma biografia política – O prisioneiro (1949-1960)», Vol. III, Lisboa, Temas e Debates, 2005.

Por volta dos anos vinte do século passado, Egas Moniz deixa a política activa. Tendo em conta o modo como se passa a referir a esse período que foi de 1901 até cerca de 1920, poder-se-ia dizer que «abandonou» a política activa, desapontado com o desfecho do ciclo sidonista e a impossibilidade do reagrupamento de dissidentes evolucionistas, unionistas e ex-sidonistas, num novo partido orientado contra os excessos jacobinistas da «República Velha».

O 28 de Maio de 1926 encontra-o a trabalhar activamente, na Universidade e no laboratório, preparando, em segredo, a invenção da Angiografia Cerebral. Seguir-se-lhe-á, em 1935 a descoberta da leucotomia pré-frontal e a elevação da sua notoriedade internacional que culminará, em 1949, com a atribuição do Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia.

Durante esse período, Moniz está, quase por completo, dedicado ao ensino e à investigação científica.

Porém, a partir da sua jubilação e, mais acentuadamente, após ter recebido o Prémio Nobel, Egas Moniz adoptará uma militância de carácter cívico, em prol da causa da Paz e da Liberdade, demarcando-se sempre das correntes que considerava radicais.

A primeira entrada de Egas Moniz no território biográfico que Pacheco Pereira delimitou, encontra-se no 2º volume da biografia: JPP, (2001), Álvaro Cunhal. Uma biografia política - «Duarte», o dirigente clandestino (1941-1949), Vol. II, Lisboa, Temas e Debates.

Reza assim, a páginas 808:

Assim, em Março de 1947, a CC do MUDJ, numa circular confidencial, lançava uma campanha para recolha de 20.000 assinaturas destinadas a patrocinar uma homenagem a Norton. De forma críptica, dizia-se «tratar-se de uma iniciativa de maior alcance político, da qual podemos tirar várias conclusões, altamente agradáveis para nós» {nota 39: a comissão central do MUDJ, circular extraordinária às comissões (confidencial), 11 de Março de 1947.} no entanto, o nome do General não suscitou consenso desde o início e, na oposição não comunista, Sérgio, parte do PRP e Cunha Leal opuseram-se. As razões não eram coincidentes e espelhavam divergências que já vinham de trás, mas somente Cunha Leal se manteve tenaz na sua atitude de recusa.

António Sérgio pretendia a candidatura de um militar moderado no activo, ligado ao regime, Costa Ferreira, ou o Prémio Nobel da Medicina Egas Moniz, considerando as mais abrangentes e mais capazes de mobilizarem áreas fora da tradicional oposição {nota 40: Secretariado do PCP, Alguns aspectos da actividade do sr. A. S. Contrárias à Organização do Conselho Nacional, Agosto, 1948}.

Esta passagem é interessante a vários títulos. Salienta as clivagens existentes nas oposições ao regime fascista, mostrando quão complicadas já eram, por esses tempos, as coisas nestas paragens; chama a atenção para a demarcação comunistas/não comunistas; e comete um pequeno deslize de carácter anacrónico: trata Egas Moniz como Prémio Nobel, coisa que só virá a verificar-se mais tarde, em 1949. É inteiramente compreensível o deslize. Poder-se-ia até, se necessário, em favor de Pacheco Pereira, sustentar que, escrevendo nós sempre no presente, não é de espantar que colemos aos actores históricos as qualidades que já sabemos que eles virão a adquirir num futuro não muito longínquo. É claro. No entanto, aqui fica a reflexão.


quinta-feira, dezembro 15, 2005

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (4)



PÚBLICO de hoje (2005-12-15, pág.5)

O PÚBLICO de hoje inseriu na rubrica «Cartas ao Director» um texto assinado por Luis Coelho, de Lisboa, em que o signatário expressa surpresa pelo facto de o Cinquentenário da Morte de Egas Moniz não estar a merecer o destaque que seria adequado ao primeiro Nobel português. Diz ele que

«É no mínimo de espantar que, àparte algumas notícias em jornais de qualidade inequívoca, os 50 anos da morte de Egas Moniz não tenham suscitado um tratamento mais acalorado por parte dos órgãos de comunicação social. Esperaríamos, pelo menos, uma pequena exposição ou ensaio biográfico. Mas pouco ou nada se fez! Não entendo a razão de tamanha escassez de orgulho num homem que revolucionou o mundo das neurociências. Não consigo perceber o porquê de tal acontecimento.»

A perplexidade de Luis Coelho é compreensível. Numa época em que a ciência se constituiu como o mais aperfeiçoado patamar da nossa racionalidade, impondo-se como perspectiva doutrinária e critério dominante do acerto das políticas públicas, a «escassez de orgulho» num cientista português agraciado, em 1949, com o maior galardão da «Medicina ou Fisiologia» é estranha.


Por estar de acordo com o autor da carta, e independentemente de o seguir em todas as afirmações parcelares que nela faz, adiantarei, proximamente, uma série de reflexões acerca do relativo blackout que tem vitimado a memória de Egas Moniz.

Cinquentenário da Morte de Egas Moniz e Centenário do Nascimento de Ruy Luis Gomes


Foto de Egas Moniz, com Ruy Luis Gomes à sua direita

Foto publicada no blogue Ruy Luis Gomes, destinado à celebração do centenário do seu nascimento - 5 de Dezembro de 1905 - 5 de Dezembro de 2005.

Lá se pede que «Relativamente a esta fotografia, como relativamente a outras, solicita-se informações sobre a data, as circunstâncias e as identidades das pessoas representadas.»

O blogue «Egas Moniz» associa-se ao centenário de Ruy Luis Gomes e ao pedido de cooperação. O interesse é comum e recíproco.

Parabéns aos autores do blogue «Ruy Luis Gomes» pela iniciativa e pelo excelente trabalho que têm desenvolvido.



No cinquentenário da morte de Egas Moniz (3)


No cinquentenário do Prémio Nobel

Egas Moniz dedicou mais de duas décadas da sua existência à política activa. Deputado (monárquico, dissidente monárquico, constituinte republicano e, depois, sidonista); fundador do Partido Centrista Republicano, dirigente do Partido Nacional Republicano, tendo tentado, ainda pelo menos mais uma vez, a criação de um novo partido político, após ter sido demitido do Governo de José Relvas; Diplomata: Ministro Plenipotenciário de Portugal em Madrid; Ministro dos Negócios Estrangeiros; Presidente da Delegação Portuguesa à Conferência de Paz de Versailles.

Bem vêem, sem uma referência devidamente desenvolvida a esta dimensão com que ocupou mais de 20 anos - ¼ da sua existência ou um terço da sua vida adulta - torna-se difícil fazer-lhe a justiça de o tomar na sua inteireza e compreender melhor as competências que transferiu, depois, para o saber estratégico com que assegurou alguns dos maiores sucessos que obteve.



quarta-feira, dezembro 14, 2005

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (2)



Egas Moniz e a Psicanálise (em livro)

Em aditamento ao poste anterior, e a propósito dos modos de recordar Egas Moniz, - o homem, a obra e os contextos respectivos, - anote-se a consideração que os nossos primeiros psicanalistas têm por Egas Moniz, reservando-lhe o lugar histórico da primazia na introdução da psicanálise em Portugal. Com «As bases da psicanálise» - texto publicado em 1915 em A Medicina Contemporânea nº 33, páginas 377 – 383, depois incluído em «A vida sexual», a partir da edição de 1922 - Egas Moniz dá à estampa, em Portugal, a primeira abordagem sistemática sobre os conceitos fundamentais do método analítico elaborado por Sigmund Freud..

Pedro Luzes, um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Psicanálise, escreve, a este respeito:

Em Portugal, o primeiro trabalho científico sobre psicanálise é de Egas Moniz que, em 1915, dá à lição inaugural do Curso de Neurologia o título de As Bases da Psicanálise. Esta lição era seguida por mais três, sobre o mesmo tema que não apareceram a público.

[Pedro Luzes, Cem anos de psicanálise, Lisboa, ISPA, 2002, pág. 10]


No cinquentenário da morte de Egas Moniz (1)



PÚBLICO de 13/12/2005 (pág. 28)

Marcando o cinquentenário da morte de Egas Moniz (1874-1955), Clara Barata assinou, no PÚBLICO de 13/12/2005 (link reservado a assinantes) três peças (páginas 28 e 29), cujos títulos apontam para os aspectos tratados em cada uma delas.

A herança do único cientista português galardoado com o Nobel ainda é polémica

O prémio podia ter chegado logo na década de 20, pela angiografia

Walter Freeman foi o grande apóstolo da lobotomia nos Estados Unidos

Clara Barata dá-nos um excelente trabalho jornalístico, cruzando depoimentos, de acordo com um critério abarcando uma pluralidade de perspectivas e, ao mesmo tempo, informativo e equilibrado.

Pena que, tantos anos depois, não se tenha sequer aludido, a par das realizações do cientista, outros aspectos da sua intervenção multifacetada: o da carreira política activa (1901 – 1922), e o de introdutor da Psicanálise em Portugal (1915 – 1925). Um e outro, são da máxima importância para tentar compreender o homem, a época e os sentidos que foi revestindo.




quinta-feira, dezembro 01, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (6)


Egas Moniz raramente foi a público discutir acerca dos seus trabalhos científicos. Apesar das numerosas críticas que lhe foram dirigidas, quer relativamente aos efeitos colaterais das soluções opacificantes que usou na Angiografia Cerebral, quer quanto às apreciações negativas que impendiam sobre a leucotomia préfrontal, Egas Moniz optou, quase sempre, pelo silêncio.

O texto cuja capa ficou afixada acima, corresponde a um desses raros momentos em que Moniz se ocupou publicamente das avaliações negativas do seu método.

Começa assim:

«Quando pensei em alterar o circuito de influxos no encadeamento das células nervosas cerebrais, no propósito de modificar a vida psíquica dos alienados, meditei cerca de três anos sobre a ousada tentativa. Apenas Almeida Lima, colaborador constante dos nossos trabalhos de investigação, soube dos meus ainda mal esboçados propósitos e da base anatómica em que os firmava.» (*)

Moniz tem então 80 anos de idade e este trecho do exórdio tem uma importância fundamental. Corresponde a uma contestação indirecta das versões em que era acusado de ter agido precipitadamente, no final de 1935, no regresso de Londres, onde participara no 2º Congresso Internacional de Neurologia. Teria assistido aí à apresentação de resultados da ablação bilateral do córtex préfrontal de duas chimpanzés (Becky e Lucy). Charles Jacobsen - que trabalhara em colaboração com John Fulton - fizera a demonstração que, após a lobectomia, a reacção furiosa que se verificava anteriormente, sempre que as chimpanzés procuravam comida e não a encontravam, desaparecia e dava lugar a um comportamento calmo, destituído de picos emocionais. Moniz nunca confirmou a versão segundo a qual teria, então, formulado a questão de saber

se a remoção dos lobos frontais evita o desenvolvimento de uma neurose experimental em animais e elimina a frustração comportamental, porque não seria, então, possível, aliviar os estados de ansiedade nos humanos por meios cirúrgicos?


Ora, a datação que Egas Moniz revela nesta comunicação, remete para 1931 (cerca de 4 anos antes) o início dos seus estudos e reflexões conducentes à prática da leucotomia pré-frontal, revelando que, com Almeida Lima, já então tratava secretamente dos preparativos.



(*)
Egas Moniz, A leucotomia está em causa, Academia das Ciências de Lisboa, Biblioteca de Altos Estudos, 1954. Cortesia de Armando Myre Dores e Lina Seabra Dinis, a cuja biblioteca privada pertence o exemplar supra.


terça-feira, novembro 29, 2005

Egas Moniz não era pseudónimo (3)



Egas Moniz é também patrono de Loja Maçónica (Maçonaria Regular)

Portanto, Egas Moniz não era pseudónimo. Por razões que o próprio Moniz descreveu, a coisa decorreu de uma mitificação feita pelo seu tio padrinho, Abade de Pardilhó, convicto de uma linhagem que mergulharia nos confins da fundação da nacionalidade. Contudo, quando Egas Moniz foi iniciado na Maçonaria (Loja Simpatia e União, em 15 de Dezembro de 1910, de acordo com os arquivos do Grande Oriente Lusitano), escolheu para nome simbólico precisamente o «mesmo». Porquê «mesmo» entre aspas? Porque assim, ao escolher para nome simbólico (equivalente a um pseudónimo, grosso modo), o nome de «Egas Moniz», a questão colocada por João Alves dos Santos retoma pertinência. Com o nome simbólico que os mações iniciados escolhiam, prestavam muitas vezes, simultaneamente, uma homenagem a uma figura histórica de sua eleição. Ao escolher o «próprio» nome, Egas Moniz estava a homenagear o aio de D. Afonso Henriques, do qual o seu tio Abade acreditava descender, ou a homenagear-se a si próprio? Não sabemos mas, por precaução, somos levados a reformular a resposta imediata que demos no primeiro poste desta série, à pergunta «Foi ‘Egas Moniz’ pseudónimo do insigne neurologista português ganhador do primeiro Nobel?». A devida resposta, tendo em consideração o que recordámos até aqui, é não. À partida não era pseudónimo. Mas, depois, até chegou a ser. Aí está um caso «concreto» em que uma coisa pode ser e não ser, ao longo do tempo.

Egas Moniz não era pseudónimo (2)



António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz

Segundo outro estudioso desta matéria «As suas origens não tão remotas e muito mais verosímeis mergulham até ao século XVI e ao fundador da Casa do Mato, em Avanca., Valentim Pires Valente, a quem D. João III concedeu carta de brasão de armas em 1548. Dessa Casa, arruinada em meados de novecentos, procederam todas as outras - Marinheiro, Outeiro, Areia... - e, nas sucessivas gerações de parentela, D. Ana Rosa Tavares de Resende, casada com André Norton e bisavó do General José Mendes Ribeiro Norton de Matos, republicano, mação, ilustrado colonialista e figura de proa da oposição ao Estado Novo de Oliveira Salazar.» (*)


(*)
Malheiro da Silva, Armando B., (2000), «Egas Moniz e a Política. Notas avulsas para uma biografia indiscreta» in Pereira, A. L. E Pita, J.R., (Coord.), Egas Moniz em Livre Exame, Coimbra, Minerva. (p. 239)

Egas Moniz não era pseudónimo (1)



Emissão de 14/12/1989, INCM, Nota de 10.000$00. Retrato de Egas Moniz sobre a direita

Provoca estranheza a muitos a coincidência do nome porque ficou conhecido o primeiro português a conseguir um prémio Nobel. Egas Moniz foi também o nome do célebre aio de Dom Afonso Henriques, que nós imaginamos sempre pessoa de bem, capaz de honrar a palavra dada até às últimas consequências. João Alves dos Santos, depois de avaliar os textos disponíveis neste blogue, escreveu-me

Viva.Vi o seu blog Egas Moniz. Parabens :)Não consigo encontrar informação que justifique o "porquê" de o Dr. Egas Moniz ter recorrido ao uso de um pseudónimo "Egas Moniz"Se conhece este motivo, agradeceria a sua explicação.Muito obrigado

João Alves dos Santos


Enviei-lhe de imediato um trecho da autoria do visado acerca dessa questão, enfatizando que

O próprio Egas Moniz, em livro de carácter autobiográfico intitulado «ANossa Casa» (pp. 15-16), explica:

«A família do lado de meu pai tinha prosápias de fidalguia pelos Resendes,Sás, Abreus, Freires, Valentes, Almeidas, Pinhos... eu sei lá! um nuncaacabar de ascendências ilustres a que as pessoas de idade se referem comdevoção (...).Ora, como os Resendes, segundo autoridades na matéria, provêm de Egas Moniz,aio de Dom Afonso Henriques, que, pela sua numerosa prole, deixoudescendestes para repartir por todas as velhas casas do Norte, resolveu meupadrinho, Rev. Caetano de Pina Rezende Abreu Sá Freire, substituir oRezende pelo apelido mais pomposo do ascendente Egas Moniz»

Mas, é claro, a história nunca acaba onde pusémos o «último» ponto final.

domingo, agosto 21, 2005

O Político na Sombra do Cientista (2)



O político na sombra do cientista (2)

Trata-se de um texto que dá continuidade a uma série de reflexões acerca de Egas Moniz (EM) através da exposição, discussão e integração de aspectos marcantes da sua actividade, designadamente das que recobrem as dimensões da política e da investigação científica. Tinha sustentado, em texto anterior, que EM se preocupou em menorizar a importância histórica da fase da sua vida dedicada à política activa, conseguindo, até certo ponto, condicionar a futura sistematização da sua biografia.

Sustento, desta vez, que o que Moniz evidenciou acerca da política, da cultura e da sociedade, oferece um plano mais vasto, rico e diversificado, muito para além da efígie do neurologista que sobressai do frizo dos nobelizados. São essas dimensões, eclipsadas pela gestão historiográfica da sua figura, que maior interesse revestem para a compreensão da densidade da sua acção e dos contextos em que se movimentou.

O texto, na íntegra, pode ser lido aqui.


sábado, abril 30, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (5)


Retrato de Egas Moniz

Da autoria de Ana Leonor Pereira, João Rui Pita e Rosa Maria Rodrigues, com prefácio de João Lobo Antunes, é uma excelente fotobiografia, profusamente legendada e anotada. Foi editada em 1999 pelo Círculo de Leitores, com o patrocínio da Câmara Municipal de Estarreja.

Bibliografia sobre Egas Moniz (4)


Egas Moniz em Livre Exame

Volume organizado por Ana Leonor Pereira e João Rui Pita, ambos docentes na Universidade de Coimbra e investigadores do CEIS-20 (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX), editado em Coimbra pela Minerva, no ano 2000. Uma obra de referência que acolhe diferentes visões e perspectivas sobre o significado e alcance do homem e da obra. De leitura indispensável para um confronto actualizado dos diferentes pontos de vista acerca do sábio de Avanca.

sexta-feira, abril 08, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (3)





As duas passagens anteriores (Bibliografia sobre Egas Moniz 1 e 2) do artigo de Seabra Dinis, são particularmente significativas. Põem em realce três aspectos da vida e obra de Egas Moniz que hoje nos podem parecer evidentes mas que raramente foram assinalados na literatura coetânea. Primeiramente, a referência à propensão cultural e ideológica de Moniz para posições políticas de carácter conservador. Depois, a observação de que o homem de Avanca era «sintónico de carácter». Em terceiro lugar, a fixidez teórica do neurologista «resistindo a toda a orientação da psiquiatria dos últimos decénios».

A publicação deste artigo um ano depois de Egas Moniz ter sido agraciado com o prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia, numa revista da especialidade, atesta que, a par do elogio do «sábio» de renome internacional - que J. Seabra Dinis também celebra no mesmo artigo - se desenhava uma abordagem crítica, não meramente seguidista e reverencial, que fornecia uma visão equilibrada e contrastada da vida e da obra do criador da Angiografia Cerebral.

Bibliografia sobre Egas Moniz (2)






«Os anos vão passando, o mundo social sofre sucessivas e cada vez mais violentas crises que obrigam o pensamento a um novo ajustar às realidades, e Egas Moniz continua no mesmo posto, como em velha fortaleza granítica, resistindo a toda a orientação da psiquiatria dos últimos decénios na esteira psicológica e sociológica, e que nos parece, para uma mais clara compreensibilidade, não poder deixar de ser estreitamente relacionada com a evolução geral das nossas sociedades.»

J. Seabra Dinis “Alguns aspectos da personalidade de Egas Moniz” in Anais Portugueses de Psiquiatria, Vol. II, nº 2, Agosto de 1950 (Edição do Hospital Júlio de Matos, Lisboa), p. 7.

quarta-feira, abril 06, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (1)



Memorial

«De começo, [em Coimbra] resistiu Egas Moniz à pressão ambiental. Em tempos de estudante, chegou a chefiar um pequeno agrupamento político de oposição à avassaladora torrente que dominava a grande maioria da juventude da época. E um pouco mais tarde, já professor, mas ainda no curso da Monarquia, foi eleito deputado pelo Partido Progressista.

Pela posição política que tomara, a que a contextura ideológica iniciada na infância não poderia ser estranha, já em si se manifestava a força quase indómita da personalidade, procurando impor-se às circunstâncias, sem se deixar arrastar passivamente na levada. Mas esta era demasiado poderosa e Egas Moniz, sintónico de temperamento, tinha mergulhado bem dentro dela para poder escapar. Nos últimos anos da Monarquia abandonou o partido em que tinha enfileirado para acompanhar o movimento cisionista de Alpoím, que passou a formar então, escreve ele em “Um ano de política”, “ o grupo mais avançado da Monarquia, que, ao lado dos republicanos, muito concorreu para a transformação que veio a operar-se na política portuguesa”.

Algum tempo depois adere à República. O peso da formação ideológica inicial não pode, porém, ser alijado com a mesma facilidade da carga do vapor. Prendem-no fortes raízes, intrínsecas e extrínsecas, que não é muito fácil cortar.

E no interior de si próprio vão agora manifestar-se, mais poderosas, duas forças de certo modo contraditórias, a raiz progressiva e a conservativa, que ele procura conciliar, colocando-se, de modo irrealista, numa aresta intermédia, que se traduz, no ponto de vista político, pela criação, em 1917 do Partido Centrista que dirigiu.»

J. Seabra Dinis “Alguns aspectos da personalidade de Egas Moniz” in Anais Portugueses de Psiquiatria, Vol. II, nº 2, Agosto de 1950 (Edição do Hospital Júlio de Matos, Lisboa), p. 6.