Para quem tiver interesse, aqui está o link para um artigo de revisão sobre as biografias de Egas Moniz, publicado no último número da revista CEPIHS.
Blogue destinado a comparar, incluir, discutir, divulgar e criticar análises, testemunhos, bibliografias e opiniões acerca de Egas Moniz, vida, obra e tudo mais que cada um achar relevante para o conhecimento do primeiro Nobel português de Medicina ou Fisiologia.
O fólio reproduzido é da autoria de Bruno Claro, extraído da sua obra "Tentativas Operatórias no tratamento de certas psicoses"(2022)
Egas Moniz ao Panteão Nacional (8)
Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014) foi o primeiro futebolista profissional a ascender ao Panteão Nacional. A rapidez com que o processo se verificou foi notável. Faleceu em 5 de janeiro de 2014. A 3 de julho do ano seguinte oficializava-se a trasladação do cemitério do Lumiar para o Panteão Nacional. A importância do futebol na política ficou assim confirmada. Neste mesmo blog fizemos-lhe uma referência na altura, chamando-lhe, com um toque de humor, Eusébio - A última finta, o que com certeza pecou por defeito. Porquê a última?
Em todos os casos anteriores o 1º Nobel português (e, a partir de 2010, também o 2º) poderiam ali ter-se perfilado, já que reuniam todos os quesitos para lhe serem concedidas honras de Panteão. E todavia, não. Houve sempre outros valores, outras estratégias, outros dispositivos que operaram diligentemente para que o manto do esquecimento permanecesse sobre pessoas, grupos, entidades e acontecimentos, virando os holofotes da lembrança, da recordação, da comemoração e da homenagem noutras direções.
Não. Ainda não foi dessa vez que o 1º e o 2º portugueses nobelizados foram sequer aludidos.
Egas Moniz ao Panteão Nacional (7)
A Sophia de Mello Breyner Andresen (1819-2004), exemplo de uma conjugação pronunciada entre a criação literária e artística e o ativismo cívico e político, autora de obra apreciável, são concedidas honras de Panteão Nacional dez anos após a sua morte, e 7 anos depois de Aquilino. Em 2014, passa a ombrear com a elite dos heróis pátrios.
Do modo como as coisas se processaram nada faria os proponentes deterem-se e olhar para as figuras que ficaram para trás. Era o tempo de fazer justiça à poetisa incontornável; era o tempo dela. Não era, de todo, o tempo dele.
Egas Moniz ao Panteão Nacional (6)
Aquilino Ribeiro (1885-1963) ativista político, autor do Volfrâmio, Quando os lobos uivam, O Malhadinhas e muitíssimos mais, foi o senhor que se seguiu. Em 2007, cerca de 4 anos depois de Manuel de Arriaga, dá entrada no Panteão Nacional, entre aplausos e apupos, com manifestações de apoio e declarações de desagrado e oposição à concessão dessa honra.
Também neste caso, o 1º Nobel português poderia tê-lo acompanhado. Conheciam-se e liam-se mutuamente. Ofereceram um ao outro muitos dos livros que publicaram. Viveram a mesma época e enfrentaram problemas semelhantes.
A celeuma que rodeou a proposta de concessão de honras a Aquilino Ribeiro é particularmente interessante e põe a nu o caráter contraditório do julgamento das biografias e de outros elementos historiográficos, sempre em aberto.
De qualquer modo, não foi ainda desta vez que Egas Moniz foi proposto.
Egas Moniz ao Panteão Nacional (5)
Egas Moniz ao Panteão Nacional (4)
Amália Rodrigues (1920-1999) foi a próxima figura. O ano da concessão das honras a Amália foi 2001. Rápido, portanto. A onda emocional varreu tudo. Ai de quem se opusesse! Mas quem é que não ia gostar do fado e da Amália. Não se tratou propriamente de parar, pensar um pouco nas personalidades ou conjuntos de figuras importantes na história de todas as coisas. Não. A Amália morreu e tinha de ir para o Panteão. E foi.
Muito provavelmente nesses dias de acesas e esquinadas discussões não acudiu à mente de ninguém que havia entre os portugueses um neurologista, escritor, e cientista nobelizado. A onda era outra...
Egas Moniz ao Panteão Nacional (3)
Egas Moniz ao Panteão Nacional (2)
Luís de Camões (1525-1580), Pedro Álvares Cabral (1468-1526),
Infante Dom Henrique (1394-1460),Vasco da Gama (1469-1524), Afonso de
Albuquerque (1453-1515), Nuno Álvares Pereira (1360-1431).
E junta-lhe os "seus" mortos
Sidónio Pais (1872-1918), Óscar Carmona
(1869-1951),
e acrescenta alguns que tinham já sido objeto de determinações da 1ª República
Teófilo Braga (1843-1924), Almeida Garrett (1779-1854), Guerra Junqueiro (1850-1953), João de
Deus (1830-1896).
Alexandre Herculano (1810-1877), Manuel de Arriaga (1840-1917), entre outros, foram preteridos.
O propósito político-ideológico de autopromoção parece evidente. O historiador Damião Peres e os restantes membros da comissão que elaborou a proposta sabiam perfeitamente da existência do primeiro Nobel português. Simplesmente os seus tempos, ideais, considerações acerca da cultura e das ciências eram muito diferentes dos que nós suspeitamos prevalecerem nos dias de hoje.
Portanto, poder-se-ia dizer que na primeira oportunidade que surgiu, Egas Moniz, que fechara os olhos cerca de 11 anos antes, político do sidonismo, homem de cultura e ciência galardoado com o prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1949, foi rejeitado ou, pelo menos, não foi considerado "elegível".
O Estado Novo meteu lá quem quis. Moniz ficou no esquecimento.
Egas Moniz ao Panteão Nacional (1)
A generosidade e justiça com que os militantes do Partido Socialista fazem a proposta é louvável, e também não me ocorre discutir méritos ou deméritos do perfil do sábio de Avanca.
Os apontamentos que gostaria de deixar em forma de comentário ao caso concreto de Egas Moniz, já tinha aflorado aqui anos atrás - Eusébio - A última finta - e às circunstâncias em que nós temos tratado a história, figuras, coletivos e contextos. Esperemos que desta vez prevaleça uma atitude serena, crítica, inclusiva e dialogante, evitando tanto quanto possível a cristalização de redutos emocionais.