quarta-feira, dezembro 26, 2007

Outras Perspectivas (11)

No programa da SIC-Mulher, Serralves fora de horas (6ªs feiras), (21/12/2007) Nuno Monteiro Pereira, convidado (urologista e andrologista) "revela" que nas Faculdades de Medicina das Universidades Portuguesas não há ainda uma cadeira de sexologia.
Antes, Mariana Pinto da Costa, Coordenadora Nacional do Departamento de Saúde Reprodutiva e Sida da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), declarara à LUSA, em Setembro passado, que «O sexo é um tema que não é muito falado no decorrer do curso de medicina».

Reparem: Egas Moniz fez publicar a 1ª edição de A Vida Sexual, (ver p. ex. aqui), no início do século XX. Se os cursos de medicina não acolheram, entretanto, a sexologia como área interdisciplinar necessária e pertinente, isso quer dizer que os processos destinados à preparação para os temas associados à sexualidade têm estado pouco mais que ... parados.

Se quiséssemos identificar os processos bloqueados no século XX, teríamos necessariamente de incluir este. Um século depois, estamos praticamente na mesma.

terça-feira, outubro 30, 2007

Empreendedorismo (1)


A par de muitas outras actividades, Egas Moniz participou em diversas iniciativas empresariais. Apesar de tal não ter sido destacado, nem pelo próprio, nem pelos autores das numerosas notas biográficas a seu respeito, Moniz ficou associado à fundação da Companhia de Seguros A Nacional (Porto, 1906), e à constituição da Sociedade de Produtos Lácteos, Lda. ( 1923).


"Em 1905, a Sociedade Henri Nestlé foi nomeada fornecedora da Casa Real Portuguesa de farinha láctea, leite condensado e chocolate. Até 1920, a indústria de lacticínios portuguesa limitava-se a um número escasso de fabricantes artesanais de manteiga que não respeitavam os mais elementares requisitos de higiene. A Sociedade de Produtos Lácteos (SPL), criada em 1923 por três figuras de primeiro plano, viria a constituir o embrião da Nestlé Portugal.

A fundação desta sociedade foi resultado de três aspirações que se completavam. Uma delas era a de um médico que, embora não fosse especialista em nutrição de crianças, recusava-se a baixar os braços perante os elevados índices de mortalidade infantil, resultantes em parte da inexistência de um alimento que substituísse eficazmente o leite materno. Esse médico era o professor Egas Moniz, cujas descobertas no campo da Neurologia lhe granjearam renome internacional e o Nobel da Medicina em 1949."(1)



(1)Isabel Oliveira, "80 anos de papas" na Única (Expresso) nº 1619 de 8/11/2003

segunda-feira, outubro 29, 2007

Outras Perspectivas (10)



Na página 11 do nº 419 da revista FOCUS (24 a 30/10/2007). Ponto forte: não deixar cair a memória do primeiro Nobel português; ponto fraco: o afunilamento da efeméride para o leucótomo e para a imprecisão da asserção "solucionando algumas psicoses".
A fotografia é do "jovem doutor". Em 1949, Moniz ia nos seus 75 anos...
Ao jornalismo de efemérides não poderá provavelmente fazer-se as mesmas exigências de rigor e profundidade que se fazem ao ofício dos historiadores. Ainda assim, aqui fica o comentário.

quarta-feira, outubro 10, 2007

Nobel da Medicina 2007

O Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia deste ano, foi dividido por Mario R. Capecchi (na foto), Sir Martin J. Evans e Oliver Smithies, pelos seus trabalhos de indução de alterações genéticas.
Mario Capecchi é de origem italiana e está actualmente no Howard Hughes Medical Institute (Universidade do Utah, EUA); Martin Evans é do Reino Unido (universidade de Cardiff); e Smithies nasceu no Reino Unido e é investigador da Universidade da Carolina do Norte, EUA.

Informação disponível no site da Fundação Nobel.

A propósito de Capcchi, o Le Monde publicou uma peça de síntese acerca da atribulada história de vida do nobelizado. Pode ser lida [aqui].

segunda-feira, outubro 08, 2007

Cilícios mentais... (1)

O Estado Novo; os movimentos políticos de oposição ao Estado Novo; os patriotas; os neurologistas; os psicanalistas e outros grupos, mais ou menos ancorados institucionalmente, reivindicaram e reivindicam, quase sempre a justo título, Egas Moniz como um dos seus. O seu sucesso e notoriedade contribuíram para o reforço dos seus prestígios, das suas identidades e das suas imagens públicas. Em boa parte, essa invocação de Moniz, fragmentada na pluralidade de aspectos de que cada grupo selecciona um para colocar em destaque (o político, o cientista, o médico, etc) produz um caleidoscópio de imagens, ilusoriamente separadas, aparentemente contraditórias, como se de diferentes entidades se tratasse.

Deveremos juntar a esses exemplos de reivindicação comunitária, o texto de um padre jesuíta, que descortinou na carreira bem sucedida de Moniz, a influência decisiva do modelo de educação dos colégios jesuítas.

Trata-se do Padre jesuíta Gomes de Azurara que escreveu, em 1951, na revista Brotéria [*], uma recensão do livro recém publicado, de Egas Moniz, "A Nossa Casa"[**].
Moniz recorda a sua passagem pelo colégio jesuíta de São Fiel, salientando aspectos favoráveis (o estímulo experimental na formação do espírito científico), não deixando de, em paralelo, apontar defeitos, designadamente em relação à distribuição dos tempos lectivos.

Onde Egas Moniz escreveu (pág. 254) "No colégio, ao lado da exagerada vida religiosa, que nos levava tempo e roubava actividade"[**], Gomes de Azurara introduz uma chamada para nota de rodapé (pág. 421): "Há evidente exagero nesta afirmação. Existem os regulamentos do colégio desse tempo. A distribuição das práticas religiosas mostra que elas eram o que sempre foram e são de uso, em colégios verdadeiramente católicos"[*].

Todavia, logo a seguir, aquiesce relativamente a um remoque da mesma natureza do anterior. Diz Egas Moniz no parágrafo seguinte: "O equilíbrio entre orações, exercícios físicos e estudo, merecia ser melhor estabelecido"[**]. Comentário de Gomes de Azurara: "É possível. A pedagogia moderna tem alargado horizontes, neste ponto, e os Jesuítas, nos seus sistemas, têm beneficiado com isso"[*].

Mais adiante, Azurara verbera Moniz relativamente a expressões como "cilícios mentais" impostos aos ordenados.

Mais concretamente, Moniz discorre sobre o que aquele seu mestre jesuíta poderia ter sido noutras circunstâncias:

"
Suponho que o Padre Santana veio a falecer tuberculoso. Era da Madeira. Apesar de jungido aos cilícios mentais que a Ordem lhe impunha, foi um dos grandes espíritos que conhecia na minha vida. Noutra ambiência e com outras directrizes, a trajectória da sua existência ficaria marcada em obra de vulto"[**]

Gomes de Azurara remata"Dentro destas reservas, folgamos com o registo de tão abonatório testemunho do primeiro prémio Nobel português à pedagogia dos seus mestres jesuítas." [*]

Era aqui que o Padre Jesuíta, de facto, queria chegar.



[*] Azurara, Gomes de., (1951),
“O primeiro Prémio Nobel português, aluno dos Jesuítas” in Brotéria, Vol. LII, Fasc. 4.

[**] Moniz, Egas., (1950), A Nossa Casa, Lisboa, Paulino Ferreira, Filhos Lda

domingo, setembro 30, 2007

Outras Perspectivas (9)

Postal evocativo de Egas Moniz com traje académico, selo comemorativo e carimbo do Hospital de Santa Maria. Múltiplas inscrições em busca de um efeito: manter activas as imagens.

No verso do postal: "António Caetano de Abreu Egas Moniz, político, diplomata,literato, crítico de arte e acima de tudo médico, professor e cientista, nasceu em Avanca em 1874 e faleceu em Lisboa em 1955. Foi-lhe atribuido em 1949 o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia"


Cortesia de Vieira Pinto, do seu arquivo de "Figuras Ilustres".




sábado, setembro 22, 2007

Outras Perspectivas (8)




"Tivemos, portanto, que esperar até ao ano de 2000 para ver a atribuição do prémio Nobel a um psiquiatra por uma investigação psiquiátrica, com a concessão ao catedrático da Universidade de Columbia, Eric R. Kandel, pelas suas descobertas na área da aprendizagem e da memória, em especial pela diferenciação dos mecanismos moleculares do armazenamento da memória a curto e a longo prazo. Este investigador, autor do livro imprescindível Principles of Neurosciences, iniciou o seu percurso clínico nos anos 60, ao entrar para a Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard com o objectivo definido de se dedicar à psicanálise, fascínio que termina por se esbater ao aperceber-se que, segundo explicou no discurso lido perante a Fundação Nobel, as limitações da psicanálise se prendiam com a forma como esta teoria tratava “o cérebro, o órgão que gera o comportamento”, que era abordado “como uma caixa preta”. Isto é, para Kandel, a psicanálise fez com a biologia do cérebro o que o comportamentalismo clássico tinha feito com a vida intrapsíquica: negou-a


Gramary, Adrian., (2007),“De Egas Moniz e da impossibilidade de mudar o passado” in Saúde Mental, Volume IX Nº2 Março/Abril 2007, pp. 53-57.


Versão do artigo, na íntegra, em PDF [AQUI]