
Coincidências.
Blogue destinado a comparar, incluir, discutir, divulgar e criticar análises, testemunhos, bibliografias e opiniões acerca de Egas Moniz, vida, obra e tudo mais que cada um achar relevante para o conhecimento do primeiro Nobel português de Medicina ou Fisiologia.
O fólio reproduzido é da autoria de Bruno Claro, extraído da sua obra "Tentativas Operatórias no tratamento de certas psicoses"(2022)
A fundação desta sociedade foi resultado de três aspirações que se completavam. Uma delas era a de um médico que, embora não fosse especialista em nutrição de crianças, recusava-se a baixar os braços perante os elevados índices de mortalidade infantil, resultantes em parte da inexistência de um alimento que substituísse eficazmente o leite materno. Esse médico era o professor Egas Moniz, cujas descobertas no campo da Neurologia lhe granjearam renome internacional e o Nobel da Medicina em 1949."(1)
(1)Isabel Oliveira, "80 anos de papas" na Única (Expresso) nº 1619 de 8/11/2003
O Estado Novo; os movimentos políticos de oposição ao Estado Novo; os patriotas; os neurologistas; os psicanalistas e outros grupos, mais ou menos ancorados institucionalmente, reivindicaram e reivindicam, quase sempre a justo título, Egas Moniz como um dos seus. O seu sucesso e notoriedade contribuíram para o reforço dos seus prestígios, das suas identidades e das suas imagens públicas. Em boa parte, essa invocação de Moniz, fragmentada na pluralidade de aspectos de que cada grupo selecciona um para colocar em destaque (o político, o cientista, o médico, etc) produz um caleidoscópio de imagens, ilusoriamente separadas, aparentemente contraditórias, como se de diferentes entidades se tratasse.
Deveremos juntar a esses exemplos de reivindicação comunitária, o texto de um padre jesuíta, que descortinou na carreira bem sucedida de Moniz, a influência decisiva do modelo de educação dos colégios jesuítas.
Trata-se do Padre jesuíta Gomes de Azurara que escreveu, em 1951, na revista Brotéria [*], uma recensão do livro recém publicado, de Egas Moniz, "A Nossa Casa"[**].
Moniz recorda a sua passagem pelo colégio jesuíta de São Fiel, salientando aspectos favoráveis (o estímulo experimental na formação do espírito científico), não deixando de, em paralelo, apontar defeitos, designadamente em relação à distribuição dos tempos lectivos.
Onde Egas Moniz escreveu (pág. 254) "No colégio, ao lado da exagerada vida religiosa, que nos levava tempo e roubava actividade"[**], Gomes de Azurara introduz uma chamada para nota de rodapé (pág. 421): "Há evidente exagero nesta afirmação. Existem os regulamentos do colégio desse tempo. A distribuição das práticas religiosas mostra que elas eram o que sempre foram e são de uso, em colégios verdadeiramente católicos"[*].
Todavia, logo a seguir, aquiesce relativamente a um remoque da mesma natureza do anterior. Diz Egas Moniz no parágrafo seguinte: "O equilíbrio entre orações, exercícios físicos e estudo, merecia ser melhor estabelecido"[**]. Comentário de Gomes de Azurara: "É possível. A pedagogia moderna tem alargado horizontes, neste ponto, e os Jesuítas, nos seus sistemas, têm beneficiado com isso"[*].
Mais adiante, Azurara verbera Moniz relativamente a expressões como "cilícios mentais" impostos aos ordenados.
Mais concretamente, Moniz discorre sobre o que aquele seu mestre jesuíta poderia ter sido noutras circunstâncias:
"Suponho que o Padre Santana veio a falecer tuberculoso. Era da Madeira. Apesar de jungido aos cilícios mentais que a Ordem lhe impunha, foi um dos grandes espíritos que conhecia na minha vida. Noutra ambiência e com outras directrizes, a trajectória da sua existência ficaria marcada em obra de vulto"[**]
Gomes de Azurara remata"Dentro destas reservas, folgamos com o registo de tão abonatório testemunho do primeiro prémio Nobel português à pedagogia dos seus mestres jesuítas." [*]
Era aqui que o Padre Jesuíta, de facto, queria chegar.
[*] Azurara, Gomes de., (1951), “O primeiro Prémio Nobel português, aluno dos Jesuítas” in Brotéria, Vol. LII, Fasc. 4.
[**] Moniz, Egas., (1950), A Nossa Casa, Lisboa, Paulino Ferreira, Filhos Lda
No verso do postal: "António Caetano de Abreu Egas Moniz, político, diplomata,literato, crítico de arte e acima de tudo médico, professor e cientista, nasceu em Avanca em 1874 e faleceu em Lisboa em 1955. Foi-lhe atribuido em 1949 o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia"
Cortesia de Vieira Pinto, do seu arquivo de "Figuras Ilustres".