quarta-feira, agosto 27, 2008

Egas Moniz e a Psicanálise (1)


Apesar de remontar a 1915 o 1º texto em português sobre a Psicanálise (*), Júlio Dinis e a sua obra oferece uma das raras oportunidades em que Egas Moniz aplicou à crítica literária o método derivado da teoria de Freud.
Gomes Coelho (que tomou Júlio Denis por pseudónimo literário) foi, além de um consagrado homem de letras, um médico, cuja preparação Moniz documenta e enaltece, lamentando a sua morte prematura, e fazendo passar, frequentemente, a ideia de uma grande proximidade espiritual.
A obra foi inicialmente publicada em dois volumes (**), contendo no capítulo final do 1º volume - Júlio Dinis e a psico-análise - um dos textos de referência em que Moniz toma como instrumento de crítica literária, uma aplicação da psicanálise (neste caso, da interpretação dos sonhos) a um episódio extraído de As Pupilas do Senhor Reitor.
Se o Abade Faria (***) foi, ao fim e ao cabo, o precursor do hipnotismo moderno, Diniz, poderia ter sido, no entendimento de Moniz, um psicanalista avant la lettre.
O prefácio de Ricardo Jorge (1858-1939) exemplifica o distanciamento e a desconfiança que os ventos da psicanálise suscitavam, se bem que, ao mesmo tempo, o prefaciador desse prova de uma certa disponibilidade para apreender inovações.

Os primeiros capítulos são dedicados ao Júlio Denis estudante, à sua dissertação inaugural e outros pormenores que se prendem com o percurso académico. Justificando a obsolescência parcial das teses então em curso, Moniz sublinha o que de 1864 (ano da formatura de Denis) até à data em que escreve, se desactualizou, comentando:

"Nada mais fugaz, nada menos duradoiro do que os liovros e tratados de medicina! Em todas as ciências e nomeadamente nas ciências biológicas, a verdade é sempre relativa.Às concepções de hoje, sucedem-se as doutrinas opostas de amanhã. Na Medicina, sobretudo, onde os progressos são mais constantes devido ao esforço de muitos milhares de seus cultores, a mutação é mais rápida e mais radical." (p.32)

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(*) As bases da psicnálise. Lição do Curso de Neurologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, A Medicina Contemporânea, 1915, Ano XXXII, fasc.47, p. 377-383, Lisboa, 1915.

(**) Júlio Deniz e a sua obra, Lisboa, Casa Ventura Henriques, 1924, I Volume, com
Prefácio de Ricardo Jorge.

(***) O Abade Faria na história do Hipnotismo. Conferência de Lisboa. Ampliada e dividida em capítulos. Publicação da Faculdade de Medicina. I Volume, Lisboa, 1925.

A 6ª edição, cuja capa reproduzimos, compreende um único volume de 484 páginas:

Júlio Dinis e a sua obra, Porto, Livraria Civilização, 1946.

sexta-feira, julho 18, 2008

Uma "Estreia Absoluta" (2)


Apontamento da sessão de apresentação do livro na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Ao fundo, à esquerda, o Prof. João Rui Pita, no uso da palavra.


Coube ao Professor João Rui Pita (também coordenador do Grupo de História e Sociologia da Ciência do CEIS20) a apresentação do livro. Traçou uma notável síntese biográfica, pondo em relevo as características dos textos agora republicados (a edição fac-similada parte de uma outra,de 1945, da Ática).

Uma "Estreia Absoluta" (1)


Na passada 3ª feira, (15/07/2008), a Imprensa da Universidade de Coimbra deu a público a edição fac similada de "Conferências Médicas", contendo, além de duas delas, (de entre muitas que proferiu), uma nota dos iniciadores e promotores da edição, e o prefácio de João Lobo Antunes.

Depois de ali se ter formado (1900) e sido professor (1901-1911), a Imprensa da Universidade publica, pela primeira vez, um livro de Egas Moniz.

Este sentido de oportunidade, esta tempestividade, não podem deixar de impressionar...

segunda-feira, abril 07, 2008

Outras perspectivas (15)


Livro publicado no ano passado, inclui um curto apontamento intitulado "Egas Moniz: um cientista em viagens. A internacionalização como estratégia"

A referência completa é PITA, João Rui; PEREIRA, Ana Leonor (Coords), Rotas da Natureza: cientistas viagens, expedições e instituições, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007.

O apontador para o índice do livro está aqui, e para o catálogo da Imprensa da Universidade, ali.

domingo, março 23, 2008

Egas Moniz e o Prémio Nobel (2)



Datado de 10 de Junho de 1954, o manuscrito de Egas Moniz intitulado "Apontamentos [não revistos] a propósito do Prémio Nobel de 1949", regista o diário dos acontecimentos ocorridos cinco anos antes, passando em revista as primeiras notícias, as reacções, as felicitações e... os silêncios.

Pode ler-se, por exemplo, na página 3:


"Os parabéns chegaram dos colegas, dos amigos, dos conhecidos e desconhecidos, do povo do país que vibrou com a minha alegria e com a recompensa ao meu trabalho.

Do governo, dois amigos antigos mandaram-me telegramas em nome pessoal. Da Presidência da República, nada. O Marechal Carmona tão solícito em me saudar em outros momentos da vida, esqueceu-se ou não quis evidenciar-se."

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Do espólio do Psiquiatra Joaquim Seabra Diniz.
Cortesia de Lina Seabra Diniz e Armando Myre Dores.

Outras perspectivas (14)




Para ilustrar o conteúdo do post anterior, a ficha de matrícula do Serviço de Saúde/Repartição de Pessoal da CP, onde foram assinaladas a entrada ao serviço, em Estarreja (1903), em Lisboa (1907), e a reforma (1945). Cortesia do Arquivo Histórico e dos Recursos Humanos da CP.

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Outras perspectivas (13)


Egas Moniz foi também um ferroviário, no sentido lato que lhe é dado pelo facto de ter pertencido aos quadros daquela empresa durante praticamente toda a sua vida activa.
Pouco após a conclusão do curso de medicina, em Coimbra, Egas Moniz "entrou para o serviço da CP, primeiro como simples médico de secção (em Estarreja) e depois como especialista de doenças nervosas, no ano de 1903, onde permaneceu até fins de 1944, data em que foi atingido pelo limite de idade." (1)

No ano em que se reformou, o Boletim da CP dedica-lhe uma página de louvor. Em rodapé, um lema: "Uma grande vontade gera um grande valor" em clara alusão aos atributos da figura celebrada.
"O Professor Dr. Egas Moniz, por ter completado 70 anos de idade, deixou de fazer parte do quadro de especialistas do Serviço de Saúde, onde muitos anos figurou como neurologista." (2)

E finalmente, um destaque de página inteira, com foto centrada na metade inferior da página, comunicando que "A Assembleia Nacional, a Faculdade de Medecina e a Ordem dos Médicos prestaram merecidíssima homenagem ao ilustre sábio, a quem foi entregue por um banco da capital, a avultada importância de Esc. 432.023$50, correspondente à parte que lhe cabia no Prémio Nobel". (3).

Eis, pois, uma outra comunidade empresarial que reivindica Egas Moniz como um dos seus.


(Documentos digitalizados à direita. Click para aumentar)

(1) "Vultos célebres dos nossos caminhos de ferro" in Rede Geral, nº 11, Setembro de 1977, pág. 8.





(2) "Doutor António Egas Moniz" in Boletim da CP nº 186, Dezembro de 1944, pág. 225





(3) "O 'Prémio Nobel de Medecina' foi conferido ao antigo médico da C.P. Prof. Dr. Egas Moniz" in Boletim da CP nº 247, Janeiro de 1950, pág.3