domingo, agosto 31, 2008

Evocações (1)


Passei uma destas manhãs pelo Hospital de Santa Marta. Ia à cata de marcas ou inscrições associadas verdadeiro proprietário deste blog. Tive a sorte de ser recebido pela Dra. Célia Pilão, Administradora Hospitalar. Competente e amável, acompanhou-me numa breve visita a alguns dos principais locais com importância patrimonial histórica.


Hospital de Santa Marta, fachada principal - antigo convento de Santa Marta, Armando Serôdio, 1968, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - A63039



Dessa visita, deixarei aqui umas quantas anotações e imagens.


Mas onde está Egas Moniz?

Em 1º lugar, fiquei surpreendido pela ausência de referências ao Professor Egas Moniz no Hospital de Santa Marta. Depois de ter dirigido, neste hospital, o Serviço de Neurologia, sendo, ao mesmo tempo, Catedrático de Neurologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, que ali foi criada com a reforma do ensino universitário da 1ª República, Egas Moniz desenvolveu, também naquelas instalações, a investigação científica que conduziria à Angiografia Cerebral (1927) e à Leucotomia Pré-frontal (1935). Cinco anos após a sua jubilação, foi distinguido com o Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia (1949). Este conjunto de distinções tornou-o uma figura incontornável nos estudos acerca da Ciência e da Medicina. Por isso surpreende não se encontrar (à 1ª vista, pelo menos) qualquer alusão, placa evocativa ou nota histórica que lhe diga respeito.


Soslaio dos Claustros do Hospital de Santa Marta


É certo que no actual Hospital Universitário (Santa Maria, inaugurado em 1954) damos com o seu nome por todo o lado. A começar pela toponímia (Avenida Professor Doutor Egas Moniz), passando pela designação de edifícios, salas, um Centro de Estudos, um pequeno Museu, e uma estátua em bronze executada pelo escultor Euclides Vaz e erigida em frente da entrada da Faculdade de Medicina em 1974, por altura da celebração dos 100 anos do seu nascimento.

Tal não obsta a que, em Santa Marta, a ausência de quaisquer alusões ao 1º Nobel português intrigue e interpele. Apesar de tudo, trabalhou lá durante cerca de 33 anos...

Porque será?

PS

De súbito, a um canto de uma sala de espera, uma marquesa (ainda por catalogar), constitui a excepção.


quarta-feira, agosto 27, 2008

Egas Moniz e a Psicanálise (1)


Apesar de remontar a 1915 o 1º texto em português sobre a Psicanálise (*), Júlio Dinis e a sua obra oferece uma das raras oportunidades em que Egas Moniz aplicou à crítica literária o método derivado da teoria de Freud.
Gomes Coelho (que tomou Júlio Denis por pseudónimo literário) foi, além de um consagrado homem de letras, um médico, cuja preparação Moniz documenta e enaltece, lamentando a sua morte prematura, e fazendo passar, frequentemente, a ideia de uma grande proximidade espiritual.
A obra foi inicialmente publicada em dois volumes (**), contendo no capítulo final do 1º volume - Júlio Dinis e a psico-análise - um dos textos de referência em que Moniz toma como instrumento de crítica literária, uma aplicação da psicanálise (neste caso, da interpretação dos sonhos) a um episódio extraído de As Pupilas do Senhor Reitor.
Se o Abade Faria (***) foi, ao fim e ao cabo, o precursor do hipnotismo moderno, Diniz, poderia ter sido, no entendimento de Moniz, um psicanalista avant la lettre.
O prefácio de Ricardo Jorge (1858-1939) exemplifica o distanciamento e a desconfiança que os ventos da psicanálise suscitavam, se bem que, ao mesmo tempo, o prefaciador desse prova de uma certa disponibilidade para apreender inovações.

Os primeiros capítulos são dedicados ao Júlio Denis estudante, à sua dissertação inaugural e outros pormenores que se prendem com o percurso académico. Justificando a obsolescência parcial das teses então em curso, Moniz sublinha o que de 1864 (ano da formatura de Denis) até à data em que escreve, se desactualizou, comentando:

"Nada mais fugaz, nada menos duradoiro do que os liovros e tratados de medicina! Em todas as ciências e nomeadamente nas ciências biológicas, a verdade é sempre relativa.Às concepções de hoje, sucedem-se as doutrinas opostas de amanhã. Na Medicina, sobretudo, onde os progressos são mais constantes devido ao esforço de muitos milhares de seus cultores, a mutação é mais rápida e mais radical." (p.32)

===

(*) As bases da psicnálise. Lição do Curso de Neurologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, A Medicina Contemporânea, 1915, Ano XXXII, fasc.47, p. 377-383, Lisboa, 1915.

(**) Júlio Deniz e a sua obra, Lisboa, Casa Ventura Henriques, 1924, I Volume, com
Prefácio de Ricardo Jorge.

(***) O Abade Faria na história do Hipnotismo. Conferência de Lisboa. Ampliada e dividida em capítulos. Publicação da Faculdade de Medicina. I Volume, Lisboa, 1925.

A 6ª edição, cuja capa reproduzimos, compreende um único volume de 484 páginas:

Júlio Dinis e a sua obra, Porto, Livraria Civilização, 1946.

sexta-feira, julho 18, 2008

Uma "Estreia Absoluta" (2)


Apontamento da sessão de apresentação do livro na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Ao fundo, à esquerda, o Prof. João Rui Pita, no uso da palavra.


Coube ao Professor João Rui Pita (também coordenador do Grupo de História e Sociologia da Ciência do CEIS20) a apresentação do livro. Traçou uma notável síntese biográfica, pondo em relevo as características dos textos agora republicados (a edição fac-similada parte de uma outra,de 1945, da Ática).

Uma "Estreia Absoluta" (1)


Na passada 3ª feira, (15/07/2008), a Imprensa da Universidade de Coimbra deu a público a edição fac similada de "Conferências Médicas", contendo, além de duas delas, (de entre muitas que proferiu), uma nota dos iniciadores e promotores da edição, e o prefácio de João Lobo Antunes.

Depois de ali se ter formado (1900) e sido professor (1901-1911), a Imprensa da Universidade publica, pela primeira vez, um livro de Egas Moniz.

Este sentido de oportunidade, esta tempestividade, não podem deixar de impressionar...

segunda-feira, abril 07, 2008

Outras perspectivas (15)


Livro publicado no ano passado, inclui um curto apontamento intitulado "Egas Moniz: um cientista em viagens. A internacionalização como estratégia"

A referência completa é PITA, João Rui; PEREIRA, Ana Leonor (Coords), Rotas da Natureza: cientistas viagens, expedições e instituições, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007.

O apontador para o índice do livro está aqui, e para o catálogo da Imprensa da Universidade, ali.

domingo, março 23, 2008

Egas Moniz e o Prémio Nobel (2)



Datado de 10 de Junho de 1954, o manuscrito de Egas Moniz intitulado "Apontamentos [não revistos] a propósito do Prémio Nobel de 1949", regista o diário dos acontecimentos ocorridos cinco anos antes, passando em revista as primeiras notícias, as reacções, as felicitações e... os silêncios.

Pode ler-se, por exemplo, na página 3:


"Os parabéns chegaram dos colegas, dos amigos, dos conhecidos e desconhecidos, do povo do país que vibrou com a minha alegria e com a recompensa ao meu trabalho.

Do governo, dois amigos antigos mandaram-me telegramas em nome pessoal. Da Presidência da República, nada. O Marechal Carmona tão solícito em me saudar em outros momentos da vida, esqueceu-se ou não quis evidenciar-se."

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Do espólio do Psiquiatra Joaquim Seabra Diniz.
Cortesia de Lina Seabra Diniz e Armando Myre Dores.

Outras perspectivas (14)




Para ilustrar o conteúdo do post anterior, a ficha de matrícula do Serviço de Saúde/Repartição de Pessoal da CP, onde foram assinaladas a entrada ao serviço, em Estarreja (1903), em Lisboa (1907), e a reforma (1945). Cortesia do Arquivo Histórico e dos Recursos Humanos da CP.