É, pois, nesta "Era dos Extremos" que corre a história do prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia de 1949, atribuído ex-aequo ao neurologista português António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, da Universidade de Lisboa, e ao neurofisiologista suíço Walter Rudolf Hess, da Universidade de Zurique.
Moniz foi premiado pelo valor terapêutico da Leucotomia Pré-frontal no tratamento de certas psicoses; Hess, pela descoberta da organização funcional do cérebro médio (interbrain) na coordenação da actividade dos órgãos internos (digestão, circulação e pressão sanguínea, respiração, etc.), tendo Walter Hess, no dizer de Herbert Olivercrona, por ocasião do discurso oficial de apresentação dos nobelizados [1], respondido “brilhantemente a algumas questões difíceis acerca da localização de funções fisiológicas no cérebro”.
A ponte temática que parecia unir os dois laureados era, pois, a da “localização”, apesar de Hess orientar as suas pesquisas genericamente para o conhecimento cumulativo das funções cerebrais, enquanto a pesquisa de Moniz, subentendendo também um melhor conhecimento das funções dos lobos frontais, desembocava numa terapêutica neurocirúrgica. No caso de Moniz, tratava-se do que a evidência empírica, até então recolhida, fazia crer acerca do papel que os lobos frontais desempenhavam no comportamento e na personalidade, afectando a capacidade de julgamento, a adaptabilidade social e outras funções de integração intelectual; no caso de Hess, o mapeamento do diencéfalo, orientado pela estimulação eléctrica, descrevia as áreas de coordenação da circulação e pressão sanguínea, movimentos peristálticos do aparelho digestivo, regulação da temperatura e respiração.
Hess acrescentava novos conhecimentos, tomando, como ponto de partida, o cérebro médio dos gatos; Moniz propunha uma nova forma de neurocirurgia (a que chamou psicocirurgia) com valor terapêutico em “certas psicoses”.
Foram estes os pontos de chegada. O Comité Nobel do Karolinska Institutet rendia-se aos dois neurocientistas (permita-se-nos o vocábulo anacrónico) cujo trabalho experimental, no caso de Hess, respondia a perguntas cruciais sobre os automatismos do sistema nervoso e, no caso de Moniz, confirmava o papel específico dos lobos frontais na actividade intelectual e afectiva, pois que, uma vez lesionados, produziam alterações significativas no comportamento dos pacientes.
O ponto de partida de Walter Rudolf Hess fora 1933. Nesse ano foi nomeado pela primeira vez. Tinha, então, 52 anos. Ao cabo de mais 11 nomeações, (12 nomeações em 16 anos) viu finalmente a sua candidatura aprovada. As nomeações basearam-se, em grande parte, nos trabalhos a que se consagrou desde praticamente o início da sua carreira científica, orientados para o mapeamento das funções de coordenação automática do diencéfalo. Sobreviveu quase um quarto de século ao prémio, gozando do raro (e desejado) estatuto de Nobelizado.
O ponto de partida de Egas Moniz foi a nomeação de 1928 (aos 54 anos) com base na então chamada “encefalografia arterial”. Voltou a ser nomeado em 1933, 1937, 1944 e, por fim, em 1949, ganhou o prémio. Sobreviveu-lhe apenas 6 anos..
A base de todas as nomeações foi a Angiografia Cerebral, a que os nomeadores acrescentam, a partir de 1937, a Leucotomia Pré-frontal. O facto de o Comité Nobel ter optado por premiar Moniz pela Leucotomia e não pela Angiografia, fez e ainda hoje faz correr rios de tinta e ao alicerçar de hipóteses criativas acerca da sua justificação.
[1] AAVV.,(1964), Nobel Lectures, Physiology or Medicine 1942-1962, Elsevier Publishing Company,