A criação, institucionalização e actividade da Fundação Nobel é indissociável da imagem que guardamos do século XX. A dinamite que Alfred Nobel sintetizou, patenteou e vendeu, proporcionou-lhe a enorme fortuna, da qual legará uma parte para a institucionalização do futuro prémio. O valor das descobertas científicas para a melhoria do bem-estar da humanidade, inspirou, assim, o gesto de distribuir anualmente pelos merecedores de tal distinção, o diploma, a medalha e as 150 mil coroas suecas [1] que passaram a constituir o Prémio Nobel. Aí está o cocktail ideológico da viragem do século: estimular a actividade científica através do reconhecimento de cientistas que tivessem alcançado resultados extraordinários, humanamente benéficos, no respectivo ramo científico. As origens explosivas do prémio rapidamente foram controladas, mediatizadas e normalizadas por um sinédrio de sábios escandinavos que se blindou por detrás de três disposições que conviveram durante todo o século XX (e até hoje) com as culturas científicas existentes.
A 1ª disposição é a do controlo temporal: contra o desejo testamental de Alfredo Nobel, passaram a atribuir o prémio, sem olhar à norma que o destinava a quem mais se tivesse destacado nos respectivos sectores no decurso do ano anterior. As vantagens e os inconvenientes dessa adaptação têm sido discutidos mas, independentemente da bondade das linhas de argumentação, o acto de poder que contraria o testamento, permanece.
A 2ª disposição é a do segredo. Nos 50 anos subsequentes à atribuição do prémio, os respectivos processos de nomeação, avaliação tal como as actas e o registo dos debates internos, são mantidas secretas pela Fundação [2]. Ao tornar o debate em torno dos nomeados e a respectiva avaliação científica, matérias estritamente privadas, insusceptíveis de escrutínio, devido à classificação secreta da documentação atinente, a Fundação recusa frontalmente o contraditório, impondo o seu juízo inapelável.
A 3ª disposição consiste no modo de entrega dos prémios, tornando-os um acto cerimonial que envolve a autoridade do Estado e das Monarquias Sueca e Norueguesa, conferindo aos rituais de entrega final dos prémios uma selagem indelével.
Estas disposições não dissiparam inteiramente as polémicas que ficaram coladas a alguns dos prémios atribuídos, nem dissolveram o ambiente de controvérsia que rodeou muitos outros, mas a sua sobrevivência conta-nos uma história, a par de outras, - a história da (co)produção de uma super-elite: uma elite saída das elites científicas de diferentes países [3].
O Prémio Nobel foi o prémio do Século e conta, à sua própria escala, o processo científico do século XX. Quer as omissões, quer as justificações, documentam abundantemente, as esperanças, os projectos e as ideias que agitaram as ciências e que fizeram vencimento na Real Academia Sueca (para os prémios da física, química e economia), no Instituto Karolinska (para o prémio da Medicina ou Fisiologia), na Academia Sueca (para o prémio da literatura) e no Comité Norueguês (para o prémio da Paz).
Tomando por empréstimo o título com que Eric Hobsbawm o baptizou, (sobretudo relativamente ao período que vai de 1914 a 1992) recordamo-lo como “A Era dos Extremos” [4], querendo significar, por aí, que não terá havido outro intervalo secular tão pejado de violência de tal modo intensa, empreendimentos tão arriscados, realizações marcantes, profundas, espantosas e terríveis.
Aos que assim falam por terem nascido e vivido nesses anos, deve ser descontada a tendência que sempre se verificou de exagerarmos as grandezas e misérias do tempo das nossas vidas. Contudo, basta evocar o triunfo dos programas aeroespaciais (chegada do homem à Lua), por um lado, e o potencial destrutivo das duas bombas atómicas lançadas sobre Hiroxima e Nagasáqui, por outro lado, para admitirmos que o Século XX foi diferente dos anteriores, não apenas pelas esperanças que desencadeou no alargamento dos horizontes do conhecimento, mas também pelas perversões, destruições e desumanidades a que deu azo.
[1] O Prémio começou por ser de 150.782 coroas suecas, em 1901, e é hoje de 10.000.000. Cfr Em 1949 valia 156.290 coroas suecas. http://nobelprize.org/nobel_prizes/peace/amount.html
[2] Até à alteração estatutária de 1974, a Fundação Nobel mantinha os seus arquivos em segredo absoluto. A regra dos 50 anos é assim vista como uma cedência pela Fundação…
[3] Conceito proposto por Harriet Zuckerman no seu estudo acerca da “população Nobel” - The Scientific Elite. Nobel laureates in the United States, New York, Free Press, 1977.
[4] Hobsbawm, Eric., (1996), A era dos extremos. Breve história do sécilo XX - 1914-1991, Lisboa, Presença.
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