sexta-feira, janeiro 01, 2021

 

Egas Moniz ao Panteão Nacional (2)



Em 1966, por ocasião do 40º aniversário do golpe militar de 28 de maio de 1926, o regime de Salazar decidiu montar uma parada vistosa para contrariar o isolamento internacional. A guerra colonial arrastava-se desde 1961, sem esperança nem fim à vista. A contestação do regime do Estado Novo acentuava-se. Então, a inauguração do Panteão Nacional (que punha fim às obras de Santa Engrácia), da Ponte sobre o Tejo, entre outras iniciativas, pretendiam oferecer uma imagem política plena de iniciativa.

Quem vai o Estado Novo selecionar para figurar no Panteão Nacional?

Sob a direção do historiador Damião Peres (1889-1976), a comissão constituída propôs algumas figuras mitificadas quer pelos republicanos quer pelo Estado Novo com o intuito de nelas enraizar a ideologia nacionalista e expansionista:

Luís de Camões (1525-1580), Pedro Álvares Cabral (1468-1526), Infante Dom Henrique (1394-1460),Vasco da Gama (1469-1524), Afonso de Albuquerque (1453-1515), Nuno Álvares Pereira (1360-1431).

E junta-lhe os "seus" mortos

Sidónio Pais (1872-1918), Óscar Carmona (1869-1951),

 e acrescenta alguns que tinham já sido objeto de determinações da 1ª República

Teófilo Braga (1843-1924), Almeida Garrett (1779-1854), Guerra Junqueiro (1850-1953), João de Deus (1830-1896).

Alexandre Herculano (1810-1877), Manuel de Arriaga (1840-1917), entre outros, foram preteridos.

O propósito político-ideológico de autopromoção parece evidente. O historiador Damião Peres e os restantes membros da comissão que elaborou a proposta sabiam perfeitamente da existência do primeiro Nobel português. Simplesmente os seus tempos, ideais, considerações acerca da cultura e das ciências eram muito diferentes dos que nós suspeitamos prevalecerem nos dias de hoje.

Portanto, poder-se-ia dizer que na primeira oportunidade que surgiu, Egas Moniz, que fechara os olhos cerca de 11 anos antes, político do sidonismo, homem de cultura e ciência galardoado com o prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1949, foi rejeitado ou, pelo menos, não foi considerado "elegível".

O Estado Novo meteu lá quem quis. Moniz ficou no esquecimento.


quinta-feira, dezembro 31, 2020

 Egas Moniz ao Panteão Nacional (1)


Passados todos estes anos de interrogações e reflexão acerca do alcance, significados e contextos em que Egas Moniz se moveu e foi depois movido, a iniciativa da Federação de Aveiro do Partido Socialista reabre um obrigatório debate interessante quer sobre o tratamento que a figura de Egas Moniz tem merecido, quer sobre a oportunidade e as razões invocadas para lhe conceder honras de Panteão.

A generosidade e justiça com que os militantes do Partido Socialista fazem a proposta é louvável, e também não me ocorre discutir méritos ou deméritos do perfil do sábio de Avanca.

Os apontamentos que gostaria de deixar em forma de comentário ao caso concreto de Egas Moniz, já tinha aflorado aqui anos atrás - Eusébio - A última finta - e às circunstâncias em que nós temos tratado a história, figuras, coletivos e contextos. Esperemos que desta vez prevaleça uma atitude serena, crítica, inclusiva e dialogante, evitando tanto quanto possível a cristalização de redutos emocionais.