sexta-feira, julho 31, 2009

Défices e alheamentos (2)










A tese que sustenta uma causalidade linear entre a apresentação das chimpanzés de Fulton no Congresso de Londres, em 1935, e o arranque, em Lisboa, das primeiras leucotomias, é demasiado simplista. Não é pelo facto de se ter instalado nas histórias acerca da psicocirurgia que se torna mais consistente. É altamente improvável que um qualquer neurologista [1] que não tivesse reflectido longamente sobre o papel dos lobos frontais, se dispusesse, de um momento para o outro, a enveredar, sem mais, pela psicocirurgia. Há uma série de indícios que levam a atribuir à experiência de Fulton, quanto muito, uma oportunidade de confirmação.

Todavia, o próprio Fulton, depois de ter achado má ideia “saltar” dos macacos para os humanos, alimentou, também, a versão de que os seus trabalhos e os do seu colega Carlyle Jacobsen, tinham estado na génese da leucotomia de Moniz. Para reforçar essa história de que Moniz soltara o seu eureka em Londres, diante das chimpanzés, Olivercrona, no discurso oficial de apresentação dos vencedores do prémio Nobel 1949 [2], destacou os trabalhos anteriores de Fulton, reforçando a tese de que o encontro de Moniz com Fulton, em 1935, fora decisivo.

De qualquer modo, o estranho é que, havendo dois cientistas norte americanos a fazer investigação sobre as funções dos lobos frontais em grandes símios, Moniz, após tomar conhecimento da fase de pesquisa em que se encontravam, tenha decidido dar o “salto” para os humanos, sem assegurar a confirmação experimental, ainda nos símios, antes de efectuar a translação. O pouco que se conhecia e se tinha publicado à época, aconselharia a continuar, ainda, com as experiências em chimpanzés até serem adquiridos conhecimentos mais sólidos na matéria. A experimentação em humanos, apesar de usada e abusada na “era dos extremos” [3], tinha merecido a Moniz, na preparação da Encefalografia Arterial, uma translação mais faseada e cautelosa.



[1] Entre outros, Walter Freeman, participante no mesmo Congresso, e mais tarde um dos maiores entusiastas da psicocirurgia, poderia, igualmente, ter sido sensibilizado pela experiência das chimpanzés e tido também o seu “eureka”...

[2] Olivercrona, Herbert., (2006), "Avaliação da Candidatura de Egas Moniz em 1949" in Correia, Manuel., Egas Moniz e o Prémio Nobel, Coimbra, Imprensa da Universidade.

[3] Ver, entre outro o livro de Pappworth, (1967), Human Guinea Pigs, London, Penguin.

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