quinta-feira, setembro 13, 2007

Outras Perspectivas (7)

Muito obrigado a Vieira Pinto pela foto da capa do livro de Egas Moniz “A Vida Sexual” e pela anotação que juntou à mensagem que me enviou:

Quando o que é (era) proibido passa (passou) por muitas mãos, fica neste estado. Bom sinal!

Há, na história da recepção deste livro, uma série de desafios à compreensão de como fomos encarando e pensando as problemáticas sexuais, desde finais do século XIX. Esta edição de 1904 separa ainda a 1ª parte - “Physiologia”, - em edição autónoma, da 2ª parte - “Patologia”, - que virão a ser reunidas num só volume a partir de 1913. Um verdadeiro best seller, para a época, polémica, desafiadora dos interditos puritanos e sexófobos, foi objecto de 19 edições até 1933. O regime fascista veio a condicionar a sua circulação, colocando obstáculos e filtros elitistas à sua leitura ou aquisição. Já aqui nos referimos, de passagem, a alguns desses aspectos. Ver, p.ex., [aqui] e também [aqui].


Suma Bibliográfica

«A Vida Sexual» (Fisiologia), 1ª edição, XXIV - 262 pp., Coimbra 1901, 2ª edição, XIX - 352 pp., Lisboa, 1906.

«A Vida Sexual» (Patologia), 1ª edição, XXIII - 324 pp., Coimbra 1901, 2ª edição, XXVII - 322 pp., Lisboa, 1906

«A Vida Sexual», (Fisiologia e Patologia), Junção dos dois volumes anteriores, consideravelmente alterados em alguns capitulos. 3ª edição, XIV - 544 pp., Lisboa, 1913; 4ª edição, XXIX - 574 pp., Lisboa, 1918; 5ª edição, XXVI - 578 pp., Lisboa, 1922; 6ª edição, XXXVI - 578 pp., Lisboa, 1923; 7ª edição, Lisboa, 1928; 8ª edição, Lisboa, 1930; 9ª edição, Lisboa, 1930; 10ª; 11ª; 12ª e 13ª edição, 598 pp., Lisboa 1931; 14ª; 15ª; 16ª e 17ª edição, Lisboa, 1932; 18º e 19º edição Lisboa, 1933.



sexta-feira, agosto 24, 2007

Outras Perspectivas (6)

Quando Moniz, em 1906, se torna accionista fundador da companhia de seguros A Nacional, já era neurologista, professor universitário, autor de, entre outros, dois opúsculos acerca de "A Vida Sexual", reunidos mais tarde num só volume, que se converteu num best-seller, tendo contribuído decisivamente para a sua aura de especialista em disfunções sexuais de recorte psiquiátrico. Dados à estampa, pouco após conclusão do manuscrito, em Coimbra, (1901), acabavam de ser republicados, em 2ª edição, agora em Lisboa.
O jovem médico, então com 32 anos, fizera publicar, igualmente nesse ano de 1906, o artigo «As doenças populares. O perigo alcoólico» no Boletim da Assistência Nacional aos Tuberculosos, [Ano I, 1906, Fasc. 2, p.29-32, Lisboa, 1906], revelando, à vez, as preocupações de carácter médico-social que então lhe pesavam, e o carácter maciço das morbilidades derivadas do consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
Moniz preocupa-se com os aspectos sociais e políticos da prestação de cuidados de saúde. Dedica alguma atenção às consequências do excessivo consumo de bebidas alcoólicas, mas, apesar da intenção manifesta, não tornará ao assunto.
A designação de “doenças populares” e a adopção de um ponto de vista moderado em face de algumas correntes radicais que advogavam, pura e simplesmente, a eliminação do consumo de bebidas alcoólicas, indicam, por um lado, a distância social a que as elites se colocavam dos “populares”, diferenciando os consumos de bebidas alcoólicas com base nos estilos de vida. O “perigo alcoólico” é mitigado relativamente a outros grupos sociais e claramente identificado para aqueles cujos comportamentos, estados de saúde e sequelas, constituíam, de facto, um “problema” de saúde pública. Moniz coteja o caso português com o francês, denunciando a tese segundo a qual, nos países de grande produção vinícola, o consumo de vinho não tendia a ser problemático. Aponta as disfunções e complicações associadas ao alcoolismo, não poupando o leitor a alguns pormenores mais severos e horrorosos, e assume a posição de conselheiro, moralizando o uso e chamando a atenção para as implicações comportamentais e o modo como afectam a qualidade de vida dos consumidores excessivos.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Outras Perspectivas (5)









O 3º patamar é o do segredo
. Aí foram deixados, em silêncio, os capítulos da sua vida de que não se orgulhava particularmente; a memória de actos atrabiliários, excessivamente ditados pelas circunstâncias; ou, pura e simplesmente, os aspectos que não concorriam para acentuar os traços biográficos com que queria que a memória da sua figura fosse recordada na posteridade.
Homem empreendedor, com múltiplos interesses, hobbies, gostos, não foi certamente por considerar indigna a sua tripla condição de accionista fundador, médico-chefe do ramo Vida e, mais tarde, membro do conselho de administração da companhia de seguros A Nacional, que a omitiu dos seus escritos.
Ficou, assim, afastada ou esbatida esse conjunto de actividades que convoca activamente os saberes (técnicos e científicos) e poderes (políticos, financeiros, institucionais). Afastadas do registo autobiográfico, apesar do peso quotidiano dessas ocupações e da responsabilidade que implicavam. porque lhe pareceu que combinariam mal com a efígie do sábio, concentrado nos estudos e desprezando as contrapartidas materiais, com uma quota-parte de ascetismo.

É neste patamar que deixará, igualmente, quaisquer considerações sobre a sua pertença à Maçonaria, na qual fora iniciado, círculo ritual em que boa parte da elite republicana selava a entrega à luz espiritual do saber positivo, reforçando a dedicação à República pela via do templo que lhe subjaz.
Aqui ficaram também quaisquer evocações de duelos em que foi parte, testemunha, representante ou conselheiro, revivência senhorial e cavalheiresca que arrastou o arcaísmo do uso da violência em privado para acertos de honra e desagravos, entre nobres, iguais, que, ou se retratavam e apresentavam desculpas, ou faltavam ao encontro no campo da honra, outorgando, aos que compareciam, o direito de poderem envergonhá-los em público, confrontando-os com a sua cobardia.
Actividade exigente que implicava a escolha de testemunhas, emissários, tentativas de conciliação, findas as quais, se sem êxito, se seguia a escolha das armas, o lugar, e o desfecho ao "primeiro sangue" ou "até à morte".
A ética cavalheiresca impedia-o, porventura, de divulgar publicamente a sua presença actuante nos meios de práticas duelísticas, tal como o bom senso e eventualmente, algum arrependimento, o impediam de confirmar a sua pertença à maçonaria. Bem entendido. Por isso mesmo, pela ressonância dos aspectos identitários não assumidos, a sua relação com as memórias e as qualidades excluídas do figurino heróico que compôs, ganham, por contraste, toda a pertinência para nos ajudarem a compreender um homem, na sua época, enfeitando a sua coroa de louros com uma parte da sua vida enquanto omitia a outra. O homem é um só. A representação que dele próprio faz, divide-se.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Outras Perspectivas (4)

O 2º patamar consubstancia-se na Casa Museu de Avanca, ultimamente sob a alçada municipal (Câmara Municipal de Estarreja) que a tomou da Fundação criada por desejo testamentado do próprio. A "Casa do Marinheiro", curiosamente correlacionada com o tema de Ex-Libris, onde habitou com a família, e que mandou reconstruir, mais tarde, fazendo dela o seu retiro íntimo, de fins-de-semana e férias, antes ou depois do período termal a que se submetia anualmente para minorar as sequelas da gota que o atormentava desde os 24 anos. Moniz quis que a Casa do Marinheiro, com os seus espaços ajardinados e floreiras, com as colecções de pintura e outros objectos de arte, fundo documental, mobiliário e adereços permanecessem, após o seu desaparecimento, evocando a sua figura e o seu exemplo, repetindo, aos visitantes vindouros, o que tinha feito, a glória de que se cobrira e continuaria assim a ressoar, em seu louvor, seculorum et seculorum.

domingo, agosto 12, 2007

Outras Perspectivas (3)

















Cinquenta anos após a atribuição do Prémio Nobel, Egas Moniz foi celebrado em emissão filatélica. Na imagem, a variante de 80$00 (oitenta escudos) ou 0,40 € (quarenta cêntimos de um euro). Sobre a direita, uma fotografia do homenageado, em traje académico; à esquerda, em fundo, a reprodução de uma angiografia. O valor icónico desta representação sublinha a sua actividade de médico, professor universitário e cientista, com um enfoque directo numa das suas mais importantes realizações -- a Angiografia Cerebral -- datada de 1927. É interessante reparar no modo como a representação foto-pictórica selecciona os aspectos postos em destaque.

Um agradecimento especial a Maria Machado pela oferta do valioso exemplar.


terça-feira, junho 19, 2007

Outras Perspectivas (2)

O 1º patamar é o dos trabalhos (auto)biográficos. Nele se sistematizam os numerosos escritos em que Egas Moniz se ocupava, ainda que de passagem, da sua pessoa, características, feitos, descobertas e emulações, destacando-se, nesse conjunto, 4 volumes de pendor exclusivamente autobiográfico, elaborados em diferentes fases da vida.

"Um ano de política" (1919), em que pretendeu sumariar o pico final e mais intenso da sua participação institucional na política activa; "A última lição" (1944) breve excurso da saga científica do próprio, a pretexto da cerimónia de jubilação, sublinhando a Angiografia Cerebral" (1927) e a "Leucotomia Pré-frontal" (1935), dedicando muito mais espaço à primeira do que à segunda (como António Fernando Cascais justamente assinalou), concluindo com um iniludível amargor, pois chegado ao final da carreira, não vira o reconhecimento que julgava merecido; "Confidências de um investigador científico"(1949), repositório (ou arquivo, como ele, porventura, aqui e acolá, entende) de múltiplas andanças e perseveranças, que culminam nas realizações de maior projecção internacional, descrevendo atribulações, incidentes, viagens e comunicações, suas e alheias, interligadas cronologicamente com uma assumida focagem autocongratulatória; "A nossa casa" (1950), que agrupa memórias de infância e de juventude, abarcando a família, amigos e próximos, com um apontamento esotérico no final.