quarta-feira, dezembro 28, 2005

Álvaro Cunhal e Egas Moniz (1)



Referências a Egas Moniz na obra de José Pacheco Pereira

Cruzamento de referências na Biografia de Álvaro Cunhal que José Pacheco Pereira (blogue sobre a Biografia, aqui, e Abrupto, ali) tem vindo a publicar, tendo dado à estampa, recentemente, o 3º volume «Álvaro Cunhal. Uma biografia política – O prisioneiro (1949-1960)», Vol. III, Lisboa, Temas e Debates, 2005.

Por volta dos anos vinte do século passado, Egas Moniz deixa a política activa. Tendo em conta o modo como se passa a referir a esse período que foi de 1901 até cerca de 1920, poder-se-ia dizer que «abandonou» a política activa, desapontado com o desfecho do ciclo sidonista e a impossibilidade do reagrupamento de dissidentes evolucionistas, unionistas e ex-sidonistas, num novo partido orientado contra os excessos jacobinistas da «República Velha».

O 28 de Maio de 1926 encontra-o a trabalhar activamente, na Universidade e no laboratório, preparando, em segredo, a invenção da Angiografia Cerebral. Seguir-se-lhe-á, em 1935 a descoberta da leucotomia pré-frontal e a elevação da sua notoriedade internacional que culminará, em 1949, com a atribuição do Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia.

Durante esse período, Moniz está, quase por completo, dedicado ao ensino e à investigação científica.

Porém, a partir da sua jubilação e, mais acentuadamente, após ter recebido o Prémio Nobel, Egas Moniz adoptará uma militância de carácter cívico, em prol da causa da Paz e da Liberdade, demarcando-se sempre das correntes que considerava radicais.

A primeira entrada de Egas Moniz no território biográfico que Pacheco Pereira delimitou, encontra-se no 2º volume da biografia: JPP, (2001), Álvaro Cunhal. Uma biografia política - «Duarte», o dirigente clandestino (1941-1949), Vol. II, Lisboa, Temas e Debates.

Reza assim, a páginas 808:

Assim, em Março de 1947, a CC do MUDJ, numa circular confidencial, lançava uma campanha para recolha de 20.000 assinaturas destinadas a patrocinar uma homenagem a Norton. De forma críptica, dizia-se «tratar-se de uma iniciativa de maior alcance político, da qual podemos tirar várias conclusões, altamente agradáveis para nós» {nota 39: a comissão central do MUDJ, circular extraordinária às comissões (confidencial), 11 de Março de 1947.} no entanto, o nome do General não suscitou consenso desde o início e, na oposição não comunista, Sérgio, parte do PRP e Cunha Leal opuseram-se. As razões não eram coincidentes e espelhavam divergências que já vinham de trás, mas somente Cunha Leal se manteve tenaz na sua atitude de recusa.

António Sérgio pretendia a candidatura de um militar moderado no activo, ligado ao regime, Costa Ferreira, ou o Prémio Nobel da Medicina Egas Moniz, considerando as mais abrangentes e mais capazes de mobilizarem áreas fora da tradicional oposição {nota 40: Secretariado do PCP, Alguns aspectos da actividade do sr. A. S. Contrárias à Organização do Conselho Nacional, Agosto, 1948}.

Esta passagem é interessante a vários títulos. Salienta as clivagens existentes nas oposições ao regime fascista, mostrando quão complicadas já eram, por esses tempos, as coisas nestas paragens; chama a atenção para a demarcação comunistas/não comunistas; e comete um pequeno deslize de carácter anacrónico: trata Egas Moniz como Prémio Nobel, coisa que só virá a verificar-se mais tarde, em 1949. É inteiramente compreensível o deslize. Poder-se-ia até, se necessário, em favor de Pacheco Pereira, sustentar que, escrevendo nós sempre no presente, não é de espantar que colemos aos actores históricos as qualidades que já sabemos que eles virão a adquirir num futuro não muito longínquo. É claro. No entanto, aqui fica a reflexão.


quinta-feira, dezembro 15, 2005

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (4)



PÚBLICO de hoje (2005-12-15, pág.5)

O PÚBLICO de hoje inseriu na rubrica «Cartas ao Director» um texto assinado por Luis Coelho, de Lisboa, em que o signatário expressa surpresa pelo facto de o Cinquentenário da Morte de Egas Moniz não estar a merecer o destaque que seria adequado ao primeiro Nobel português. Diz ele que

«É no mínimo de espantar que, àparte algumas notícias em jornais de qualidade inequívoca, os 50 anos da morte de Egas Moniz não tenham suscitado um tratamento mais acalorado por parte dos órgãos de comunicação social. Esperaríamos, pelo menos, uma pequena exposição ou ensaio biográfico. Mas pouco ou nada se fez! Não entendo a razão de tamanha escassez de orgulho num homem que revolucionou o mundo das neurociências. Não consigo perceber o porquê de tal acontecimento.»

A perplexidade de Luis Coelho é compreensível. Numa época em que a ciência se constituiu como o mais aperfeiçoado patamar da nossa racionalidade, impondo-se como perspectiva doutrinária e critério dominante do acerto das políticas públicas, a «escassez de orgulho» num cientista português agraciado, em 1949, com o maior galardão da «Medicina ou Fisiologia» é estranha.


Por estar de acordo com o autor da carta, e independentemente de o seguir em todas as afirmações parcelares que nela faz, adiantarei, proximamente, uma série de reflexões acerca do relativo blackout que tem vitimado a memória de Egas Moniz.

Cinquentenário da Morte de Egas Moniz e Centenário do Nascimento de Ruy Luis Gomes


Foto de Egas Moniz, com Ruy Luis Gomes à sua direita

Foto publicada no blogue Ruy Luis Gomes, destinado à celebração do centenário do seu nascimento - 5 de Dezembro de 1905 - 5 de Dezembro de 2005.

Lá se pede que «Relativamente a esta fotografia, como relativamente a outras, solicita-se informações sobre a data, as circunstâncias e as identidades das pessoas representadas.»

O blogue «Egas Moniz» associa-se ao centenário de Ruy Luis Gomes e ao pedido de cooperação. O interesse é comum e recíproco.

Parabéns aos autores do blogue «Ruy Luis Gomes» pela iniciativa e pelo excelente trabalho que têm desenvolvido.



No cinquentenário da morte de Egas Moniz (3)


No cinquentenário do Prémio Nobel

Egas Moniz dedicou mais de duas décadas da sua existência à política activa. Deputado (monárquico, dissidente monárquico, constituinte republicano e, depois, sidonista); fundador do Partido Centrista Republicano, dirigente do Partido Nacional Republicano, tendo tentado, ainda pelo menos mais uma vez, a criação de um novo partido político, após ter sido demitido do Governo de José Relvas; Diplomata: Ministro Plenipotenciário de Portugal em Madrid; Ministro dos Negócios Estrangeiros; Presidente da Delegação Portuguesa à Conferência de Paz de Versailles.

Bem vêem, sem uma referência devidamente desenvolvida a esta dimensão com que ocupou mais de 20 anos - ¼ da sua existência ou um terço da sua vida adulta - torna-se difícil fazer-lhe a justiça de o tomar na sua inteireza e compreender melhor as competências que transferiu, depois, para o saber estratégico com que assegurou alguns dos maiores sucessos que obteve.



quarta-feira, dezembro 14, 2005

No cinquentenário da morte de Egas Moniz (2)



Egas Moniz e a Psicanálise (em livro)

Em aditamento ao poste anterior, e a propósito dos modos de recordar Egas Moniz, - o homem, a obra e os contextos respectivos, - anote-se a consideração que os nossos primeiros psicanalistas têm por Egas Moniz, reservando-lhe o lugar histórico da primazia na introdução da psicanálise em Portugal. Com «As bases da psicanálise» - texto publicado em 1915 em A Medicina Contemporânea nº 33, páginas 377 – 383, depois incluído em «A vida sexual», a partir da edição de 1922 - Egas Moniz dá à estampa, em Portugal, a primeira abordagem sistemática sobre os conceitos fundamentais do método analítico elaborado por Sigmund Freud..

Pedro Luzes, um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Psicanálise, escreve, a este respeito:

Em Portugal, o primeiro trabalho científico sobre psicanálise é de Egas Moniz que, em 1915, dá à lição inaugural do Curso de Neurologia o título de As Bases da Psicanálise. Esta lição era seguida por mais três, sobre o mesmo tema que não apareceram a público.

[Pedro Luzes, Cem anos de psicanálise, Lisboa, ISPA, 2002, pág. 10]


No cinquentenário da morte de Egas Moniz (1)



PÚBLICO de 13/12/2005 (pág. 28)

Marcando o cinquentenário da morte de Egas Moniz (1874-1955), Clara Barata assinou, no PÚBLICO de 13/12/2005 (link reservado a assinantes) três peças (páginas 28 e 29), cujos títulos apontam para os aspectos tratados em cada uma delas.

A herança do único cientista português galardoado com o Nobel ainda é polémica

O prémio podia ter chegado logo na década de 20, pela angiografia

Walter Freeman foi o grande apóstolo da lobotomia nos Estados Unidos

Clara Barata dá-nos um excelente trabalho jornalístico, cruzando depoimentos, de acordo com um critério abarcando uma pluralidade de perspectivas e, ao mesmo tempo, informativo e equilibrado.

Pena que, tantos anos depois, não se tenha sequer aludido, a par das realizações do cientista, outros aspectos da sua intervenção multifacetada: o da carreira política activa (1901 – 1922), e o de introdutor da Psicanálise em Portugal (1915 – 1925). Um e outro, são da máxima importância para tentar compreender o homem, a época e os sentidos que foi revestindo.




quinta-feira, dezembro 01, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (6)


Egas Moniz raramente foi a público discutir acerca dos seus trabalhos científicos. Apesar das numerosas críticas que lhe foram dirigidas, quer relativamente aos efeitos colaterais das soluções opacificantes que usou na Angiografia Cerebral, quer quanto às apreciações negativas que impendiam sobre a leucotomia préfrontal, Egas Moniz optou, quase sempre, pelo silêncio.

O texto cuja capa ficou afixada acima, corresponde a um desses raros momentos em que Moniz se ocupou publicamente das avaliações negativas do seu método.

Começa assim:

«Quando pensei em alterar o circuito de influxos no encadeamento das células nervosas cerebrais, no propósito de modificar a vida psíquica dos alienados, meditei cerca de três anos sobre a ousada tentativa. Apenas Almeida Lima, colaborador constante dos nossos trabalhos de investigação, soube dos meus ainda mal esboçados propósitos e da base anatómica em que os firmava.» (*)

Moniz tem então 80 anos de idade e este trecho do exórdio tem uma importância fundamental. Corresponde a uma contestação indirecta das versões em que era acusado de ter agido precipitadamente, no final de 1935, no regresso de Londres, onde participara no 2º Congresso Internacional de Neurologia. Teria assistido aí à apresentação de resultados da ablação bilateral do córtex préfrontal de duas chimpanzés (Becky e Lucy). Charles Jacobsen - que trabalhara em colaboração com John Fulton - fizera a demonstração que, após a lobectomia, a reacção furiosa que se verificava anteriormente, sempre que as chimpanzés procuravam comida e não a encontravam, desaparecia e dava lugar a um comportamento calmo, destituído de picos emocionais. Moniz nunca confirmou a versão segundo a qual teria, então, formulado a questão de saber

se a remoção dos lobos frontais evita o desenvolvimento de uma neurose experimental em animais e elimina a frustração comportamental, porque não seria, então, possível, aliviar os estados de ansiedade nos humanos por meios cirúrgicos?


Ora, a datação que Egas Moniz revela nesta comunicação, remete para 1931 (cerca de 4 anos antes) o início dos seus estudos e reflexões conducentes à prática da leucotomia pré-frontal, revelando que, com Almeida Lima, já então tratava secretamente dos preparativos.



(*)
Egas Moniz, A leucotomia está em causa, Academia das Ciências de Lisboa, Biblioteca de Altos Estudos, 1954. Cortesia de Armando Myre Dores e Lina Seabra Dinis, a cuja biblioteca privada pertence o exemplar supra.


terça-feira, novembro 29, 2005

Egas Moniz não era pseudónimo (3)



Egas Moniz é também patrono de Loja Maçónica (Maçonaria Regular)

Portanto, Egas Moniz não era pseudónimo. Por razões que o próprio Moniz descreveu, a coisa decorreu de uma mitificação feita pelo seu tio padrinho, Abade de Pardilhó, convicto de uma linhagem que mergulharia nos confins da fundação da nacionalidade. Contudo, quando Egas Moniz foi iniciado na Maçonaria (Loja Simpatia e União, em 15 de Dezembro de 1910, de acordo com os arquivos do Grande Oriente Lusitano), escolheu para nome simbólico precisamente o «mesmo». Porquê «mesmo» entre aspas? Porque assim, ao escolher para nome simbólico (equivalente a um pseudónimo, grosso modo), o nome de «Egas Moniz», a questão colocada por João Alves dos Santos retoma pertinência. Com o nome simbólico que os mações iniciados escolhiam, prestavam muitas vezes, simultaneamente, uma homenagem a uma figura histórica de sua eleição. Ao escolher o «próprio» nome, Egas Moniz estava a homenagear o aio de D. Afonso Henriques, do qual o seu tio Abade acreditava descender, ou a homenagear-se a si próprio? Não sabemos mas, por precaução, somos levados a reformular a resposta imediata que demos no primeiro poste desta série, à pergunta «Foi ‘Egas Moniz’ pseudónimo do insigne neurologista português ganhador do primeiro Nobel?». A devida resposta, tendo em consideração o que recordámos até aqui, é não. À partida não era pseudónimo. Mas, depois, até chegou a ser. Aí está um caso «concreto» em que uma coisa pode ser e não ser, ao longo do tempo.

Egas Moniz não era pseudónimo (2)



António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz

Segundo outro estudioso desta matéria «As suas origens não tão remotas e muito mais verosímeis mergulham até ao século XVI e ao fundador da Casa do Mato, em Avanca., Valentim Pires Valente, a quem D. João III concedeu carta de brasão de armas em 1548. Dessa Casa, arruinada em meados de novecentos, procederam todas as outras - Marinheiro, Outeiro, Areia... - e, nas sucessivas gerações de parentela, D. Ana Rosa Tavares de Resende, casada com André Norton e bisavó do General José Mendes Ribeiro Norton de Matos, republicano, mação, ilustrado colonialista e figura de proa da oposição ao Estado Novo de Oliveira Salazar.» (*)


(*)
Malheiro da Silva, Armando B., (2000), «Egas Moniz e a Política. Notas avulsas para uma biografia indiscreta» in Pereira, A. L. E Pita, J.R., (Coord.), Egas Moniz em Livre Exame, Coimbra, Minerva. (p. 239)

Egas Moniz não era pseudónimo (1)



Emissão de 14/12/1989, INCM, Nota de 10.000$00. Retrato de Egas Moniz sobre a direita

Provoca estranheza a muitos a coincidência do nome porque ficou conhecido o primeiro português a conseguir um prémio Nobel. Egas Moniz foi também o nome do célebre aio de Dom Afonso Henriques, que nós imaginamos sempre pessoa de bem, capaz de honrar a palavra dada até às últimas consequências. João Alves dos Santos, depois de avaliar os textos disponíveis neste blogue, escreveu-me

Viva.Vi o seu blog Egas Moniz. Parabens :)Não consigo encontrar informação que justifique o "porquê" de o Dr. Egas Moniz ter recorrido ao uso de um pseudónimo "Egas Moniz"Se conhece este motivo, agradeceria a sua explicação.Muito obrigado

João Alves dos Santos


Enviei-lhe de imediato um trecho da autoria do visado acerca dessa questão, enfatizando que

O próprio Egas Moniz, em livro de carácter autobiográfico intitulado «ANossa Casa» (pp. 15-16), explica:

«A família do lado de meu pai tinha prosápias de fidalguia pelos Resendes,Sás, Abreus, Freires, Valentes, Almeidas, Pinhos... eu sei lá! um nuncaacabar de ascendências ilustres a que as pessoas de idade se referem comdevoção (...).Ora, como os Resendes, segundo autoridades na matéria, provêm de Egas Moniz,aio de Dom Afonso Henriques, que, pela sua numerosa prole, deixoudescendestes para repartir por todas as velhas casas do Norte, resolveu meupadrinho, Rev. Caetano de Pina Rezende Abreu Sá Freire, substituir oRezende pelo apelido mais pomposo do ascendente Egas Moniz»

Mas, é claro, a história nunca acaba onde pusémos o «último» ponto final.

domingo, agosto 21, 2005

O Político na Sombra do Cientista (2)



O político na sombra do cientista (2)

Trata-se de um texto que dá continuidade a uma série de reflexões acerca de Egas Moniz (EM) através da exposição, discussão e integração de aspectos marcantes da sua actividade, designadamente das que recobrem as dimensões da política e da investigação científica. Tinha sustentado, em texto anterior, que EM se preocupou em menorizar a importância histórica da fase da sua vida dedicada à política activa, conseguindo, até certo ponto, condicionar a futura sistematização da sua biografia.

Sustento, desta vez, que o que Moniz evidenciou acerca da política, da cultura e da sociedade, oferece um plano mais vasto, rico e diversificado, muito para além da efígie do neurologista que sobressai do frizo dos nobelizados. São essas dimensões, eclipsadas pela gestão historiográfica da sua figura, que maior interesse revestem para a compreensão da densidade da sua acção e dos contextos em que se movimentou.

O texto, na íntegra, pode ser lido aqui.


sábado, abril 30, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (5)


Retrato de Egas Moniz

Da autoria de Ana Leonor Pereira, João Rui Pita e Rosa Maria Rodrigues, com prefácio de João Lobo Antunes, é uma excelente fotobiografia, profusamente legendada e anotada. Foi editada em 1999 pelo Círculo de Leitores, com o patrocínio da Câmara Municipal de Estarreja.

Bibliografia sobre Egas Moniz (4)


Egas Moniz em Livre Exame

Volume organizado por Ana Leonor Pereira e João Rui Pita, ambos docentes na Universidade de Coimbra e investigadores do CEIS-20 (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX), editado em Coimbra pela Minerva, no ano 2000. Uma obra de referência que acolhe diferentes visões e perspectivas sobre o significado e alcance do homem e da obra. De leitura indispensável para um confronto actualizado dos diferentes pontos de vista acerca do sábio de Avanca.

sexta-feira, abril 08, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (3)





As duas passagens anteriores (Bibliografia sobre Egas Moniz 1 e 2) do artigo de Seabra Dinis, são particularmente significativas. Põem em realce três aspectos da vida e obra de Egas Moniz que hoje nos podem parecer evidentes mas que raramente foram assinalados na literatura coetânea. Primeiramente, a referência à propensão cultural e ideológica de Moniz para posições políticas de carácter conservador. Depois, a observação de que o homem de Avanca era «sintónico de carácter». Em terceiro lugar, a fixidez teórica do neurologista «resistindo a toda a orientação da psiquiatria dos últimos decénios».

A publicação deste artigo um ano depois de Egas Moniz ter sido agraciado com o prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia, numa revista da especialidade, atesta que, a par do elogio do «sábio» de renome internacional - que J. Seabra Dinis também celebra no mesmo artigo - se desenhava uma abordagem crítica, não meramente seguidista e reverencial, que fornecia uma visão equilibrada e contrastada da vida e da obra do criador da Angiografia Cerebral.

Bibliografia sobre Egas Moniz (2)






«Os anos vão passando, o mundo social sofre sucessivas e cada vez mais violentas crises que obrigam o pensamento a um novo ajustar às realidades, e Egas Moniz continua no mesmo posto, como em velha fortaleza granítica, resistindo a toda a orientação da psiquiatria dos últimos decénios na esteira psicológica e sociológica, e que nos parece, para uma mais clara compreensibilidade, não poder deixar de ser estreitamente relacionada com a evolução geral das nossas sociedades.»

J. Seabra Dinis “Alguns aspectos da personalidade de Egas Moniz” in Anais Portugueses de Psiquiatria, Vol. II, nº 2, Agosto de 1950 (Edição do Hospital Júlio de Matos, Lisboa), p. 7.

quarta-feira, abril 06, 2005

Bibliografia sobre Egas Moniz (1)



Memorial

«De começo, [em Coimbra] resistiu Egas Moniz à pressão ambiental. Em tempos de estudante, chegou a chefiar um pequeno agrupamento político de oposição à avassaladora torrente que dominava a grande maioria da juventude da época. E um pouco mais tarde, já professor, mas ainda no curso da Monarquia, foi eleito deputado pelo Partido Progressista.

Pela posição política que tomara, a que a contextura ideológica iniciada na infância não poderia ser estranha, já em si se manifestava a força quase indómita da personalidade, procurando impor-se às circunstâncias, sem se deixar arrastar passivamente na levada. Mas esta era demasiado poderosa e Egas Moniz, sintónico de temperamento, tinha mergulhado bem dentro dela para poder escapar. Nos últimos anos da Monarquia abandonou o partido em que tinha enfileirado para acompanhar o movimento cisionista de Alpoím, que passou a formar então, escreve ele em “Um ano de política”, “ o grupo mais avançado da Monarquia, que, ao lado dos republicanos, muito concorreu para a transformação que veio a operar-se na política portuguesa”.

Algum tempo depois adere à República. O peso da formação ideológica inicial não pode, porém, ser alijado com a mesma facilidade da carga do vapor. Prendem-no fortes raízes, intrínsecas e extrínsecas, que não é muito fácil cortar.

E no interior de si próprio vão agora manifestar-se, mais poderosas, duas forças de certo modo contraditórias, a raiz progressiva e a conservativa, que ele procura conciliar, colocando-se, de modo irrealista, numa aresta intermédia, que se traduz, no ponto de vista político, pela criação, em 1917 do Partido Centrista que dirigiu.»

J. Seabra Dinis “Alguns aspectos da personalidade de Egas Moniz” in Anais Portugueses de Psiquiatria, Vol. II, nº 2, Agosto de 1950 (Edição do Hospital Júlio de Matos, Lisboa), p. 6.

quarta-feira, março 23, 2005

Short notes (1)





When I was 18, (1967) the democratic militants against the dictatorship of Salazar heralded the example of Egas Moniz as a national hero mistreated by the fascist regime. The image of Egas Moniz had been appropriated by the democrats trying to show that the highest exponents of culture, art and science, were supporters of the democratic camp. It stroked me deeply and I promised my self to do something in order to understand how could it be possible. Following the political description I figured an isolated scientist developing a hard work in an unfavourable environment. His successful work increased my curiosity. In spite of all the difficulties he had reached, the main goal that every scientist could aspire: to see his work recognized and applauded all around the world.

quarta-feira, março 16, 2005

A controvérsia (2)





Christine Johnson, norte-americana, parente de uma senhora lobotomizada, organizou um «Memorial dos Lobotomizados» no seu site Psychosurgery.org. Liderou uma campanha exigindo ao Comité Nobel a «desnobelização» de Egas Moniz. Representa uma visão dolorosa e radical na abordagem histórica desta temática. Criou igualmente um blog com o mesmo nome do site, onde acompanha questões relacionadas com psiquiatria e saúde mental.

A controvérsia (1)

 


Leucotomia pré-frontal e Prémio Nobel


No site Nobel Prise.org pode ler-se um artigo de Bengt Jansson, professor de Psiquiatria no Karolinska Institutet de Estocolmo. Descontando algumas imprecisões de carácter biográfico, vale a pena lê-lo e conhecer, em linhas gerais, o que pensa acerca da génese, enquadramento histórico e avaliação da leucotomia pré-frontal, bem como da atribuição do Prémio Nobel a Egas Moniz.

segunda-feira, março 14, 2005

Referências recentes (3)




 Simas Machado (1859 - 1927)

No blogue Cartas Portuguesas, de Luís Bonifácio, vão sendo afixadas notas biográficas de um dos muitos homens da República que aderiram ao sidonismo, cruzando-se, portanto, com Egas Moniz. Para além deste particular, vale a pena visitar o blogue e ler numerosas outras notas biográficas e de contextualização histórica. Parabéns ao Luís Bonifácio e obrigado pelo link apontado aqui para o Egas Moniz.

domingo, março 06, 2005

Referências recentes (2)


Colégio de São Fiel

Depois da escola de Pardilhó, a educação de Egas Moniz prosseguiu no Colégio Jesuíta de São Fiel, graças ao empenho do seu tio abade. Fala-se hoje no DN do «risco de alienação» que impende sobre o velho edifício (ver notícia aqui). Para quem esteja interessado numa curta resenha biográfica sobre o criador da Angiografia Cerebral, pode dar uma espreitadela aqui.

quarta-feira, março 02, 2005

Referências recentes (1)


Egas Moniz, jovem Doutor

No Abrupto, Pacheco Pereira, a propósito das «Memórias da Biblioteca Pública Municipal do Porto», evoca a atracção exercida pelo livro cujo texto foi baseado na tese de doutoramento de Egas Moniz.
«O livro proibido que estava nos “reservados” e que era mais popular na leitura era a Vida Sexual de Egas Moniz.» (ver aqui)

No Blog Digitalis...


Blog Digitalis

Nos arquivos do blog Digitalis, de Maria Helena Roque, um texto intitulado «As Viagens científicas de Egas Moniz (1874-1955).Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia 1949» (ver aqui) apresenta, em sequência, aquilo a que se poderia chamar a «estratégia de internacionalização» do inventor da Angiografia Cerebral.
Para além da autoria do texto mencionado, é também autora de uma tese de mestrado versando acerca de Egas Moniz - Roque, Maria Helena Neves., (2002), Positivismo e visibilidade na obra de Egas Moniz (1874-1955), Tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Secção Autónoma de Ciências Sociais Aplicadas .
Para além disso, vale a pena visitar o Digitalis e fruir uma escrita equilibrada e talentosamente ilustrada, distribuída, segundo a própria autora, por:
1. Apontamentos criativos/esboços literários. 2. Reflexões sobre filosofia e estética. 3. Estudos de história e filosofia da neurologia, psiquiatria e questões de género.

Aproveito o ensejo para lhe agradecer a inclusão de um link apontado para o «Egas Moniz»

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

O político na sombra do cientista



Egas Moniz (EM), neurologista, político, ensaísta nascido em Avanca em 1874, era oriundo de família de nobreza agrária, proprietários rurais enfrentando grandes dificuldades financeiras. Após período de grande escassez de recursos, empreenderá um trajecto social ascendente que o situará na classe alta, na transição da Monarquia para a República, por via do curso universitário, do envolvimento político e da especialização médica. Dedicar-se-á também, mais tarde, ao empresariado agro-industrial com relativo sucesso. Tinha um sentido agudo das diferenças sociais e partilhava com muitos dos seus correlegionários republicanos e da dissidência progressista aquilo a que Hermínio Martins chama o “complexo iluminista”. É importante, para compreender a auto-representação de EM, descortinar como se atribui a si próprio uma predestinação de carácter místico que atravessa toda a sua narrativa, reservando-se sempre um papel de esclarecedor de auditórios e líder de grupos destacado de entre os melhores. Reunindo elementos relevantes quer do político, quer do cientista, damos conta [em artigo que pode ser lido aqui ] do que nos parece serem as três principais tendências de representação histórica de EM, discutindo dois dos mais apelativos enigmas monizianos - o político e o periférico - avançando uma hipótese de integração.

domingo, fevereiro 27, 2005

Bibliografia de Egas Moniz (1)






O autor, na capa, surge já com a qualidade de «Prémio Nobel», recém galardoado que fora nesse mesmo ano (1949). Além da referência bibliográfica que forneci, em resposta ao comentário de José Marques no post anterior, eis a aparência de um exemplar que me foi emprestado pelo Dr. Armando Myre Dores e pela Dra. Lina Seabra Dinis, parte do espólio do pai desta última, o notável psiquiatra Seabra Dinis. Aproveito para agradecer publicamente a ambos pela preciosa ajuda.

sábado, fevereiro 26, 2005

No 1º Centenário do nascimento de Guerra Junqueiro



«Sou dos arredores do Porto, pois a minha aldeia, Avanca, não fica distante, e a vida dos meus conterrâneos e a minha, quando ali resido, está ligada a esta laboriosa cidade de brilhantes tradições, como sendo a sua metrópole.»

(Egas Moniz)

Figura polifacetada


Político, cientista, ensaísta, conferencista, industrial, é também um testemunho peculiar de várias transições que se operaram, na mudança do século XIX para o século XX; da Monarquia para a República e, pouco depois, da República para a ditadura fascista de Oliveira Salazar. Testemunho, igualmente, das duas Grandes Guerras (1914-18 e 1939-45), de grandes transformações geoestratégicas, e de invenções científicas e tecnológicas que vieram revolucionar as práticas médicas. Controverso, mas pouco ou nada inclinado à discussão pública dos seus trabalhos; determinado, prosseguindo uma estratégia bem estruturada; hábil na gestão das suas obras e da sua imagem, Egas Moniz é uma daquelas figuras em que nos podemos apoiar para obter um ângulo significativo da história de vários momentos de transição. Adiantaremos, em próximos posts, links, textos on-line e outros escritos relevantes para a compreensão deste médico de Avanca, que foi também o primeiro cientista português galardoado com o Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

O novo Blogue  «Egas Moniz»



A iniciativa deste blogue configura um convite a todas as pessoas cujos trabalhos, interesses, preferências ou conhecimentos, concorram para a melhor compreender a figura, a época, o ambiente e outros factores que nos podem ajudar a destacar Egas Moniz, nas suas dimensões complementares, como um ângulo designado para melhor o entender.
Assim. quaisquer discussões, contribuições, notícias, referências, links, e etc. são bem vindos.
Manuel Correia