sábado, janeiro 02, 2021

 



Egas Moniz ao Panteão Nacional (7)








A Sophia de Mello Breyner Andresen (1819-2004), exemplo de uma conjugação pronunciada entre a criação literária e artística e o ativismo cívico e político, autora de obra apreciável, são concedidas honras de Panteão Nacional dez anos após a sua morte, e 7 anos depois de Aquilino. Em 2014, passa a ombrear com a elite dos heróis pátrios.

Do modo como as coisas se processaram nada faria os proponentes deterem-se e olhar para as figuras que ficaram para trás. Era o tempo de fazer justiça à poetisa incontornável; era o tempo dela. Não era, de todo, o tempo dele.

 


Egas Moniz ao Panteão Nacional (6)










Aquilino Ribeiro (1885-1963) ativista político, autor do Volfrâmio, Quando os lobos uivam, O Malhadinhas e muitíssimos mais, foi o senhor que se seguiu. Em 2007, cerca de 4 anos depois de Manuel de Arriaga, dá entrada no Panteão Nacional, entre aplausos e apupos, com manifestações de apoio e declarações de desagrado e oposição à concessão dessa honra.

Também neste caso, o 1º Nobel português poderia tê-lo acompanhado. Conheciam-se e liam-se mutuamente. Ofereceram um ao outro muitos dos livros que publicaram. Viveram a mesma época e enfrentaram problemas semelhantes.

A celeuma que rodeou a proposta de concessão de honras a Aquilino Ribeiro é particularmente interessante e põe a nu o caráter contraditório do julgamento das biografias e de outros elementos historiográficos, sempre em aberto.

De qualquer modo, não foi ainda desta vez que Egas Moniz foi proposto.

 


Egas Moniz ao Panteão Nacional (5)




Só em 2004, Manuel de Arriaga (1840-1917), primeiro Presidente da República Portuguesa, vai para o Panteão Nacional. Nestes debates sobre o Panteão é surpreendente que o primeiro Presidente da 1ª República, que criou e aderiu à conceptualização dos Panteões republicanos, tenha sido acolhido naquele espaço evocativo tão tarde. Esta demora ajuda a compreender o caráter casuístico, desgarrado e ziguezagueante dos critérios usados na concessão de honras...

Na altura não teria sido necessário escolher entre Manuel de Arriaga e Egas Moniz. Ambos poderiam ter subido de braço dado às esferas virtuais do Panteão.

Como se sabe, ainda não foi desta vez que Egas Moniz foi considerado. Afinal tratava-se apenas do primeiro prémio Nobel descerrado a um português...



sexta-feira, janeiro 01, 2021

 


Egas Moniz ao Panteão Nacional (4)




Amália Rodrigues (1920-1999) foi a próxima figura. O ano da concessão das honras a Amália foi 2001. Rápido, portanto. A onda emocional varreu tudo. Ai de quem se opusesse! Mas quem é que não ia gostar do fado e da Amália. Não se tratou propriamente de parar, pensar um pouco nas personalidades ou conjuntos de figuras importantes na história de todas as coisas. Não. A Amália morreu e tinha de ir para o Panteão. E foi.

Muito provavelmente nesses dias de acesas e esquinadas discussões não acudiu à mente de ninguém que havia entre os portugueses um neurologista, escritor, e cientista nobelizado. A onda era outra...


 

Egas Moniz ao Panteão Nacional (3)


E eis que com a revolução do 25 de abril de 1974 tudo parece ter mudado. Quer dizer: o Panteão Nacional continua a amparar o sono eterno das figuras que o Estado Novo lá instalou - uma espécie de hino monumental ao nacionalismo expansionista sob o pálio daqueles seis (Camões, Cabral, Gama, Henrique, Albuquerque e Nun'Álvares) - mas, desde o derrubamento do regime fascista à mercê de novos gestos do poder político democrático.

São então concedidas honras de Panteão a Humberto Delgado (1906-1965) interrompendo, em parte, o sentido com que o Panteão Nacional fora aconchegado em 1966. Um dos homens que enfrentou o regime de Salazar em eleições presidenciais, assassinado pela polícia política do regime deposto (PIDE/DGS), impunha-se na concessão de honras em 1990.

Estavam feitas as contas do século XX.

Poderia ter ocorrido a alguém que Egas Moniz (1874-1955) primeiro prémio Nobel português da Fisiologia ou Medicina seria uma hipótese forte para a concessão dessas honras? Poderia... mas não aconteceu.

Sabemos que esta tradição de, por um lado, engrandecer e mitificar as biografias dos antepassados, omitindo, por outro lado, todas as vozes discordantes é de um simplismo atroz. A memória dos que foram vencidos e humilhados deve ser também do conhecimento das gerações vindouras. A nossa tradição do culto dos valores pátrios requer revisão crítica e muita atenção às armadilhas impostas pelo pensamento único e pelo chauvinismo.

Mas o Panteão Nacional continuava ali. Humberto Delgado entrou, e muito bem. Moniz ainda não.





 

Egas Moniz ao Panteão Nacional (2)



Em 1966, por ocasião do 40º aniversário do golpe militar de 28 de maio de 1926, o regime de Salazar decidiu montar uma parada vistosa para contrariar o isolamento internacional. A guerra colonial arrastava-se desde 1961, sem esperança nem fim à vista. A contestação do regime do Estado Novo acentuava-se. Então, a inauguração do Panteão Nacional (que punha fim às obras de Santa Engrácia), da Ponte sobre o Tejo, entre outras iniciativas, pretendiam oferecer uma imagem política plena de iniciativa.

Quem vai o Estado Novo selecionar para figurar no Panteão Nacional?

Sob a direção do historiador Damião Peres (1889-1976), a comissão constituída propôs algumas figuras mitificadas quer pelos republicanos quer pelo Estado Novo com o intuito de nelas enraizar a ideologia nacionalista e expansionista:

Luís de Camões (1525-1580), Pedro Álvares Cabral (1468-1526), Infante Dom Henrique (1394-1460),Vasco da Gama (1469-1524), Afonso de Albuquerque (1453-1515), Nuno Álvares Pereira (1360-1431).

E junta-lhe os "seus" mortos

Sidónio Pais (1872-1918), Óscar Carmona (1869-1951),

 e acrescenta alguns que tinham já sido objeto de determinações da 1ª República

Teófilo Braga (1843-1924), Almeida Garrett (1779-1854), Guerra Junqueiro (1850-1953), João de Deus (1830-1896).

Alexandre Herculano (1810-1877), Manuel de Arriaga (1840-1917), entre outros, foram preteridos.

O propósito político-ideológico de autopromoção parece evidente. O historiador Damião Peres e os restantes membros da comissão que elaborou a proposta sabiam perfeitamente da existência do primeiro Nobel português. Simplesmente os seus tempos, ideais, considerações acerca da cultura e das ciências eram muito diferentes dos que nós suspeitamos prevalecerem nos dias de hoje.

Portanto, poder-se-ia dizer que na primeira oportunidade que surgiu, Egas Moniz, que fechara os olhos cerca de 11 anos antes, político do sidonismo, homem de cultura e ciência galardoado com o prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1949, foi rejeitado ou, pelo menos, não foi considerado "elegível".

O Estado Novo meteu lá quem quis. Moniz ficou no esquecimento.


quinta-feira, dezembro 31, 2020

 Egas Moniz ao Panteão Nacional (1)


Passados todos estes anos de interrogações e reflexão acerca do alcance, significados e contextos em que Egas Moniz se moveu e foi depois movido, a iniciativa da Federação de Aveiro do Partido Socialista reabre um obrigatório debate interessante quer sobre o tratamento que a figura de Egas Moniz tem merecido, quer sobre a oportunidade e as razões invocadas para lhe conceder honras de Panteão.

A generosidade e justiça com que os militantes do Partido Socialista fazem a proposta é louvável, e também não me ocorre discutir méritos ou deméritos do perfil do sábio de Avanca.

Os apontamentos que gostaria de deixar em forma de comentário ao caso concreto de Egas Moniz, já tinha aflorado aqui anos atrás - Eusébio - A última finta - e às circunstâncias em que nós temos tratado a história, figuras, coletivos e contextos. Esperemos que desta vez prevaleça uma atitude serena, crítica, inclusiva e dialogante, evitando tanto quanto possível a cristalização de redutos emocionais.